Este comentário também é sobre as trapalhadas aeroportuárias do ministro que ainda é ministro Pedro Nuno Santos, ou, se quiserem, sobre a avaria do SNS debaixo da gerência da ministra que é sempre ministra Marta Temido. Mas para falar disso tudo do ponto de vista que mais interessa, vou falar do PSD, que este fim de semana faz o seu Congresso. De facto, não é tanto o PSD que aqui importa, mas aquilo que o PSD pode ser: a oposição e a alternativa de que o país talvez esteja finalmente a dar conta de que necessita.
Porque não são talvez precisos Pedro Nuno Santos nem Marta Temido, embora ajudem, para irmos percebendo que a maioria absoluta de 30 de Janeiro não terá sido muito mais do que um acidente com mais passado do que futuro. A Cavaco Silva, em 1987, o eleitorado deu uma maioria absoluta para mudar o país. A António Costa, em 2022, deu uma maioria absoluta sem saber provavelmente que lhe estava dar uma maioria absoluta, e muito menos para quê. Foi, em grande medida, uma maioria absoluta arranjada por Rui Rio: bastava que tivesse feito a AD para que não tivesse acontecido. Mas aconteceu, e aconteceu também que António Costa não tinha qualquer ideia sobre o que fazer, para além de gastar dinheiro fácil e barato, e eis que a inflação acabou com a época desse dinheiro fácil e barato. O problema do governo socialista não é Pedro Nuno Santos nem Marta Temido: é o próprio governo socialista, ou para ser mais exacto, a sua relutância em abdicar do poder que acumulou sobre a sociedade portuguesa, e que o impedirá sempre de resgatar o país do declínio a que foi condenado por esse tipo de dominação. É aqui que temos de falar do PSD.
Luís Montenegro já deve ter recebido conselhos para gastar numa vida inteira. Não lhe vou dar mais. Mas permitir-me-ei comentar os conselhos que lhe deram sobre os supostos problemas do PSD. A esse respeito, limitar-me-ei a recomendar-lhe isto (ah, bem, dir-me-ão: cá está afinal mais um conselho. Pois seja): entre todos os problemas, distinga por favor entre os problemas que o PSD tem por ser um partido português em 2022 (envelhecimento, abstenção, cinismo, etc.), e os problemas que o PSD arranjou a si próprio sob a direcção de Rui Rio. São estes os problemas que deve desde já resolver.
Rio sujeitou o PSD a duas decisões desastrosas. Perante a geringonça, Rio reduziu o PSD a um parceiro menor do PS, fazendo de conta que os socialistas estariam desejosos de fugir ao PCP e ao BE para partilharem o poder com o PSD e liberalizarem a economia. Ninguém acreditou. Perante a concorrência à direita de partidos de nicho ideológico, como o Chega e a IL, Rio fez do PSD mais um partido de nicho ideológico, no seu caso, da “social democracia”, com esta desvantagem: toda a gente sabe mais ou menos o que é o nacionalismo ou o liberalismo, mas ninguém faz ideia hoje do que foi uma fórmula a que se recorreu há quase meio século para sobreviver a uma revolução. Não sei se isto tirou muitos votos ao PSD. Pelo menos, tirou-lhe consistência e relevância.
É essa consistência e relevância que seria bom o PSD recuperar como grande frente de oposição e alternativa ao poder socialista. Dir-me-ão: mas agora há outros partidos, que importa o PSD. Por acaso fizeram as contas? O PSD tem seis vezes mais deputados do que o Chega e dez vezes mais deputados do que a IL. Não sei até onde um nacionalismo de tabloide ou um liberalismo de twitter poderão chegar, mas não será certamente ao ponto de, nos próximos anos, algum deles nos dispensar de olhar para o PSD. Não haverá oposição relevante nem alternativa credível ao poder socialista sem o PSD.
Para isso, não são precisos muitos conselhos. Basta que Luís Montenegro se lembre sempre que a razão de ser do PSD não é fazer oposição ao Chega ou concorrência à IL. A razão de ser do PSD é criticar e disputar o poder ao PS, não este poder que o PS tem, intrusivo e asfixiante, mas o poder que, devidamente limitado, deve existir numa sociedade democrática e próspera. O país precisa do PSD, e o PSD precisa de olhar para a frente, e não para trás nem para os lados. Porque não será possível passar quatro anos a comentar os aeroportos ambulantes de Pedro Nuno Santos, as urgências fechadas de Marta Temido, e a hipotética fuga final de António Costa para a Europa.