Ao fim de quase 30 anos de poder socialista, o país tem muitos problemas, mas na raiz de muitos desses problemas, está um só e grande problema: a economia portuguesa deixou há mais de vinte anos de convergir com a média europeia. Pensem, por exemplo, na emigração ou na crise da habitação. Se os portugueses tivessem continuado a enriquecer como enriqueceram sob os governos de Cavaco Silva, haveria tantos jovens diplomados com razões para sair do país, ou sem meios para comprar uma casa?

Para este problema básico, Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro têm soluções muito diferentes. Não são apenas tecnicamente diferentes. Correspondem, como cada um deles aliás fez questão de dizer no debate de segunda-feira, a visões opostas da sociedade.

Pedro Nuno Santos é um adepto, como os governos da Europa estagnada dos anos 1970, do dirigismo industrial. Acredita numa economia planeada e conduzida pelo Estado. Propõe, por isso, manter a enorme carga fiscal, e engrandecer ainda mais a influência do Estado. Para Santos, tudo estará resolvido quando uma comissão de meia dúzia de sábios, com os devidos cartões de militante do PS, tiver todo o poder para, de cima para baixo, escolher os negócios, decidir os investimentos, orientar os consumos.

Luís Montenegro não pensa assim. A sua inspiração é a dos governos da Europa revitalizada dos anos 1980. Acredita na iniciativa dos cidadãos. Propõe, por isso, baixar impostos, isto é, devolver recursos à sociedade civil. São os cidadãos, enquanto empresários, trabalhadores, aforradores e consumidores, quem, no seu conjunto, pode descobrir os negócios mais vantajosos, fazer os investimentos mais rentáveis, comprar os produtos com mais qualidade. A solução é o mercado.

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Tivemos assim, no debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro, um frente a frente clássico entre duas visões da sociedade. Duas visões tão opostas, que não há possibilidade de as combinar em pé de igualdade. Seria como tentar misturar água e azeite.

Tudo está claro, portanto? Não, tudo está confuso. Porque o debate não começou por aqui, mas por uma pergunta que, depois de tal contraste de ideias, deve parecer bizarra: saber se um deles está disposto a apoiar o governo do outro. Luís Montenegro enfiou-se num tabu, incapaz de dizer sim ou não. Pedro Nuno Santos disse que sim. Não se saiu melhor, como se tem visto desde então, com as sucessivas adendas e erratas que teve de anexar à sua resposta. Afinal, também ele tem os seus tabus.

Eis uma confusão de que não precisávamos, prova de como a estigmatização do Chega (é aí que está a origem desta baralhada), em vez de preservar o sistema, o está a corroer. Vamos entender-nos: se Montenegro e Santos querem sinceramente governar segundo as ideias que expuseram, e sendo essas ideias incompatíveis entre si, não faz sentido para nenhum deles viabilizar o governo do outro. Como seria possível, se Santos quer o Estado onde Montenegro quer os cidadãos? Um governo que dependesse dos dois dependeria de duas visões contraditórias. Faria lembrar um barco a tentar chegar ao norte navegando para sul.

A conclusão deveria ser óbvia, caso nenhum obtenha os votos necessários para governar sem depender de mais ninguém. Terá então cada um deles o trabalho de procurar no parlamento quem, por afinidade ideológica ou algum acordo, se disponha a formar uma maioria que o habilite a realizar as ideias que apresentou. Ora, depois do confronto de segunda-feira, esse parceiro não pode ser Santos para Montenegro, nem Montenegro para Santos. A menos que, afinal, não levem muito a sério as visões da sociedade em que nos disseram que acreditavam.