O Sistema Educativo, nestes novos tempos de pós-pandemia, exige de todos nós, relativamente à organização escolar, uma profunda reflexão nas suas diferentes dimensões, com particular atenção à pedagogia das emoções, tendo em conta a necessária equidade que deve prevalecer, para que a escola cumpra a sua missão.

Não podemos deixar ninguém para trás

Se o contexto em que as escolas realizam a sua ação é importante, à saída de uma pandemia ganha particular relevância. E nesse contexto não podemos esquecer a nossa realidade social em que 1/5 da população portuguesa vive abaixo do limiar da pobreza e esse facto, aos alunos provenientes desse extrato da nossa população mais afetada, condiciona-lhes a sua vida escolar.

Se a situação antes da pandemia requeria a nossa atenção, não será difícil para nós percecionar que agora estamos perante um desafio de maior dimensão. E as nossas preocupações, à saída de uma pandemia, têm de centrar-se também nos profissionais de Educação, principalmente, pelas suas funções, os professores. De acordo com o Eurostat 25% dos portugueses têm sintomas de burnout, porque a organização em que trabalham não concilia a vida pessoal com a vida profissional.

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Se anteriormente, nas organizações educativas, principalmente as destinadas aos mais jovens, nem tudo era perfeito, a pandemia veio acelerar a necessidade de pensar a Educação. Pensar a escola e a preparação do próximo ano-letivo, considerando o contexto em que alunos e profissionais desenvolvem a sua ação será determinante para o sucesso de cada uma das nossas organizações educativas.

É necessário que as organizações sejam preparadas para enfrentar os desafios da pós-pandemia, a fim de que a classe docente possa apresentar-se com uma postura resiliente.

Sermos resilientes, determinados, tenazes e perseverantes são essenciais para termos capacidade de superar as adversidades e ajudar os nossos alunos a adquiri-la. Essas são características essenciais para resistirmos e continuarmos em frente em situações desfavoráveis, vencendo os desafios.

E para tal é necessário ter atitude.

Ter atitude do ponto de vista filosófico, ou seja, não aceitar algo que é considerado como verdade absoluta, sem antes pensar sobre essa verdade que nos é apresentada. Ter atitude é assim ter pensamento crítico, para não nos basearmos no senso comum nas tomadas de decisão.

No contexto educativo, propiciar pensamento crítico, criatividade e inovação, a par da utilização das novas tecnologias, acrescenta valor à sociedade. Em Educação precisamos de preparar os nossos alunos para irem mais longe. E para ir mais longe, de forma sustentável, é necessário que tenhamos todos uma postura reflexiva. Uma postura reflexiva que nos permita pensar a escola.

Pensar a Educação

No início do século XX, John Dewey fez uma importante distinção entre o ato humano que é reflexivo e rotina. E definiu o ato de rotina como sendo, sobretudo, guiado pelo impulso, tradição e autoridade, e considerando a ação reflexiva como sendo uma ação que implica pensamento ativo, persistente e ponderado em relação às nossas convicções.

E Dewey define três atitudes que considera necessárias para que um professor se posicione como profissional reflexivo: a abertura de espírito, que se refere à recetividade de escutar diferentes opiniões, atender a possíveis alternativas e admitir a possibilidade de erro, mesmo em relação a situações em que as nossas convicções são mais fortes; a sinceridade, considerando que a sua inexistência limita o envolvimento dos bons profissionais; e a responsabilidade, que implica a ponderação das consequências das nossas ações, o que implica que cada um reflita sobre, fundamentalmente, três tipos de consequências do seu ensino: as consequências pessoais, ou seja, os efeitos do seu ensino nos autoconceitos dos alunos; as consequências académicas, ou seja, os efeitos do seu ensino no desenvolvimento intelectual dos alunos; e as consequências sociais e políticas, ou seja, os efeitos do seu ensino na vida relacional dos alunos.

E se um posicionamento reflexivo já seria uma exigência da nossa vida em sociedade, no século XXI, ganha maior acuidade num contexto em que as nossas escolas aceleradamente mudaram com a pandemia.

É preciso reequacionar, nestes novos tempos, as práticas pedagógicas e os procedimentos organizacionais.

É igualmente necessário que essas práticas e procedimentos se adequem, para não deixar ninguém para trás, às necessidades sociais e aos objetivos centrais do Sistema Educativo: a melhoria da qualidade das aprendizagens; e a prevenção do abandono escolar precoce.

Os sistemas educativos mais desenvolvidos distinguem-se por proporcionar aos seus alunos, num mundo globalizado, a vantagem de obterem uma formação altamente qualificada e consequentemente favorecer a existência de um tecido produtivo nacional competitivo.

Precisamos urgentemente de aumentar a produtividade.

Temos de pensar o país e o seu desenvolvimento económico, social e cultural, essencialmente no médio e longo prazo. E temos de o fazer sempre atentos aos mais frágeis, mantendo a sustentabilidade do Estado Social.

Só o aumento da produtividade, por via da melhoria da qualidade da Educação e da Formação, permite o desenvolvimento económico e social das nações, garantindo o aumento dos salários, dos apoios sociais, e consequentemente a coesão social e intergeracional, propiciando concomitantemente o equilíbrio dos Orçamentos de Estado e das Regiões Autónomas.

Só a melhoria dos indicadores atrás referidos, relativos aos objetivos centrais do Sistema Educativo, associados ao desenvolvimento tecnológico, poderão permitir aumentar a produtividade, num contexto de regressão demográfica, com a estrutura social que lhe está subjacente.

Temos de enfrentar esta situação. É urgente aumentar a produtividade.

Tenhamos presente, na justificação da urgência referida, as projeções do INE, da população residente em Portugal, para 2060, que num cenário central nos refere que a população residente diminuirá para 8,6 milhões de pessoas, sendo que o número de idosos por cada jovem, bem como o número de idosos por cada pessoa em idade ativa, mais do que duplica.

É assim necessário, pelo que foi dito, preparar o próximo ano letivo tendo em conta, no curto prazo, que saímos de uma pandemia, que para além das condições emocionais com que os alunos se apresentarão, as aprendizagens estarão longe das que teriam sido adquiridas presencialmente.

Assim como é também necessário preparar, com os olhos postos no médio e longo prazo, o aumento da melhoria da qualidade das aprendizagens, para aumentar a produtividade.

Tendo em conta o referido anteriormente, no âmbito pedagógico, é muito importante refletir sobre a prática pedagógica, tendo presente, relativamente à formação propiciada aos nossos alunos, que muitos dos trabalhos que os estudantes de hoje vão realizar amanhã ainda não existem, nem as tecnologias que lhe estarão associadas.

É assim determinante, para vencermos os desafios deste século, num contexto como o atrás referido, que a escola generalize a mudança de paradigma do ensino vs aprendizagem: para além de ensinar o conhecido é preciso preparar, os nossos alunos, para o desconhecido, isto é, se o ensino tem o enfoque no conhecido, preparemos então a aprendizagem para o desconhecido.

Para isso o foco das aprendizagens não deve assentar exclusivamente nos factos em si, mas sim nas capacidades que o seu conhecimento provoca, nomeadamente, como já referimos: o pensamento crítico; a criatividade; e a inovação, suportados pela utilização das novas tecnologias.

É muito importante que, de um modo geral, preparemos as novas gerações, não apenas orientadas ao estudo dos factos, mas que igualmente exploremos as causas que lhe deram origem e as consequências que eles originaram.

E se, como referimos, é muito importante, nestes novos tempos, ter uma postura generalizada indutora de pensamento crítico e de resolução de problemas, assente não apenas no estudo dos factos, mas também nas suas causas e consequências, no que se refere à prática pedagógica, não o são menos importantes os procedimentos organizacionais.

E nos procedimentos organizacionais ganham particular relevância as lideranças. A adaptação aos novos desafios exige aos líderes e às suas equipas novas competências, nomeadamente que sejam: empreendedores; líderes de projetos; inovadores; e mentores.

A escola precisa de líderes reflexivos

Precisa de líderes que, nomeadamente: transportem consigo a visão da organização; envolvam e galvanizem a comunidade em torno do projeto educativo; partilhem responsabilidades; comemorem os sucessos, reconhecendo publicamente o mérito dos seus colaboradores; assumam os insucessos como fruto da mudança que preconizam, a fim de não inibirem a criatividade e a inovação dos seus colaboradores.

Os novos líderes precisam de atender às necessidades dos seus colaboradores consoante as suas necessidades. No século XXI as organizações precisam de líderes que adequem o seu estilo de liderança, em função da capacidade de execução do trabalho e da motivação do colaborador relativamente às situações em concreto, ou às tarefas a executar.

Cabe ao líder identificar, em razão dessa análise, se deve colocar a ênfase na orientação do colaborador, ou no apoio que lhe deve prestar, incentivando o colaborador na execução das tarefas.

As escolas mais do que de gestores, detentores de grandes conhecimentos técnicos das organizações, precisam de líderes que envolvam os seus colaboradores no Projeto Educativo e lhes mostrem o caminho.

Precisam de líderes eficazes que saibam, nomeadamente: liderar pelo exemplo, promovendo a persistência e dedicação; estabelecer metas; fomentar o trabalho em equipa; ter atitude motivadora; ser flexíveis; desenvolver capacidades; comunicar eficazmente; compreender e ser compreendidos; e celebrar.

Estas atitudes dos líderes envolvem os colaboradores nos objetivos da organização e catapultam-na para elevados desempenhos. Não basta, neste momento, que as organizações educativas funcionem. Têm de funcionar bem.

Têm de acrescentar valor. As ações desenvolvidas têm de provocar impacto nas aprendizagens.

Só assim conseguiremos organizações de alto desempenho, cujo impacto é evidenciado nos percursos sustentáveis dos seus alunos e consequentemente no aumento da produtividade, bem como na inclusão de todos e de cada um.

Mas o alto desempenho das organizações não depende somente da atitude dos seus líderes de topo. São igualmente importantes para esse objetivo as lideranças intermédias e as lideranças de sala de aula.

O empenhamento e envolvimento de todos em torno de um projeto comum, independentemente da função que desempenham, são determinantes para se conseguirem impactos relevantes nas aprendizagens dos alunos, na prevenção do abandono e na inclusão.

Neste contexto devemos ter igualmente presente que nas organizações só será possível atingir um alto desempenho se os colaboradores também forem igualmente eficazes. Os colaboradores eficazes congregam duas dimensões essenciais às organizações: são ativos e possuem pensamento crítico e independência, contribuindo assim para o êxito sustentável de uma organização.

As organizações devem estar atentas à necessidade de criarem um conjunto de medidas potenciadoras deste tipo de colaboradores, dada a importância das suas características para a organização, nomeadamente: gerirem-se a si próprios; serem tomadores de riscos; aplicarem os seus conhecimentos em benefício da organização; identificarem os problemas e buscarem soluções; e assumirem com eficácia responsabilidades delegadas pelo líder.

Sendo a eficácia dos membros de uma organização determinante para que a mesma obtenha altos desempenhos, conforme já referimos, é muito importante que, enquanto decisores políticos, dotemos as organizações de planos de formação das lideranças de topo, intermédias e de sala de aula.

É uma exigência pensar a Educação e o impacto das medidas a adotar no Sistema Educativo, a médio e longo prazo. E tenhamos consciência de que não tiraremos benefícios da aposta na Educação, se não o fizermos no curto prazo.

Sendo por todos reconhecido que a Educação é a maior alavanca para o desenvolvimento sustentável de um país, é necessário que haja coragem para a colocar na linha da frente das nossas prioridades.

Secretário de Estado do Ensino e Administração Escolar no XIX Governo Constitucional. Doutorado em Educação.

Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.