Os movimentos populistas representam actualmente cerca de 24% dos 751 deputados do Parlamento Europeu. O reforço da sua representatividade que é esperado nas próximas eleições europeias realça a necessidade de haver uma melhor compreensão do populismo, nomeadamente de perceber as suas diferentes dimensões.

O populismo pode ser definido em poucas palavras como um discurso que coloca uma população virtuosa e homogénea contra grupos impopulares ou contra elites que são apresentadas como tentando privar o povo soberano dos seus direitos, valores, prosperidade, identidade e voz.

O seu princípio central – de que a democracia deve reflectir a vontade pura do povo – significa que se pode encaixar facilmente em qualquer ideologia. Mas mesmo que tenha o apoio de grande parte dos eleitores pode ser perigoso para a Democracia e para a Liberdade se levar à tirania da maioria identificada por Alexis de Tocqueville e John Stuart Mill. Este perigo é maior quanto mais centralizado politicamente for um país e quanto menos autónomo for o interesse próprio de cada um dos seus habitantes.

Este ensaio mostra que existem dois tipos principais de populismo em Portugal e na Europa, um de tipo igualitário e outro com tendências xenófobas, apresentando ambos uma tendência marcada de crescimento que limita a Liberdade e a Democracia.

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1 – Populismo igualitário

O populismo igualitário tem as suas origens nas ideias e na dicotomia marxista, mas aproveita também o trabalho de alguns autores liberais como John Stuart Mill, e mais tarde John Rawls, que indirectamente criaram as condições para que o igualitarismo ganhasse progressivamente respeitabilidade fora da cartilha marxista.

A sua existência é anterior à crise financeira de 2008 quando estava apenas presente em grupos marginais da sociedade, mas foi por ela fortemente reforçado tendo passado repentinamente a ser ecoado pelo mainstream político e económico.

Os argumentos dos que defendem o populismo igualitário, como todos os argumentos populistas, arrogam-se de uma grande legitimidade democrática. Mas esta legitimidade fica em risco com a essência do seu perigo, a promoção igualitária forçada pelo Estado.

O populismo igualitário demoniza os ricos usando-os como argumento para aumentar os impostos de forma a poder alargar as ajudas do Estado ao maior número possível de pessoas e reforçar o igualitarismo, defende aumentos irresponsáveis do salário mínimo enquanto acusa as empresas privadas de serem responsáveis pelo desemprego, defende a livre entrada de imigrantes como forma de realçar a necessidade de intervenção do Estado e alargar a sua base de apoio, e recusa os direitos de propriedade que Adam Smith identificava como essenciais para o desenvolvimento económico, aproveitando-se oportunisticamente do sentimento de inveja face aos ricos e poderosos que ajuda a propagar.

De uma forma simples, o populismo igualitário manifesta-se pela oposição entre “nós”, os que trabalham arduamente e que continuam injustamente desfavorecidos, e “eles”, uma elite privilegiada que não olha a meios para perpetuar a sua situação. Esta dicotomia é complementada pela promoção do sentimento de inveja entre os que tudo e os que nada têm.

O risco é maior porque o populismo igualitário passa despercebido e raramente é identificado como tal. A ampla divulgação das suas ideias confirma a tolerância de que beneficia ou o seu não reconhecimento enquanto populismo.

Note-se que o “nós” do discurso populista inclui também a classe média, tentando abranger a grande maioria da população. Fica de fora apenas uma elite essencialmente composta por milionários, empresários e a classe política que a serve.

O facto de algum populismo igualitário jogar hoje pelas regras da democracia em alguns países e ter abandonado o terrorismo e a violência explícita torna mais difícil a sua identificação. E o seu discurso, que apresenta o fascismo como sinónimo de todos os regimes totalitários e tenta esconder os totalitarismos não fascistas, aumenta esta dificuldade.

O risco é maior porque o populismo igualitário passa despercebido e raramente é identificado como tal. A ampla divulgação das suas ideias confirma a tolerância de que beneficia ou o seu não reconhecimento enquanto populismo.

Mas a presença deste populismo é mais do que evidente, sendo hoje poucos os políticos, as organizações internacionais ou os órgãos de comunicação social que dele não façam eco, muitas vezes inconscientemente.

Alguns exemplos concretos mostram a sua relevância: os “coletes amarelos” em França, o Podemos em Espanha, o PCP e o Bloco em Portugal, ou o partido trabalhista inglês, que deixou a “terceira via” para se transformar num veículo populista onde uma pseudo-justiça igualitária é misturada com causas ambientais, anti-semitismo ou a corrosão dos direitos de propriedade.

No mundo académico está presente em várias áreas das ciências sociais, tendo sido recentemente reforçado pela falácia de que a igualdade contribui para o maior crescimento económico, o que alimenta milhares de artigos científicos e que, no caso da Economia, é uma falha grave dado o comprovado trade-off que existe entre eficiência e equidade.

A presença disfarçada do populismo igualitário na sociedade torna-o mais tolerável em Portugal e na Europa do que em outras regiões do Mundo. No entanto, essa tolerância pode ser perigosa porque como Tocqueville avisou após as paixões e tragédias da Revolução Francesa, o igualitarismo é uma ameaça à liberdade, em que governos despóticos são lentamente aceites e os direitos privados dos indivíduos são sacrificados.

O perigo deste populismo para a Liberdade e para a Democracia tem duas origens muito concretas: uma procura utópica pela igualdade e a promoção intencional da igualdade como sinónimo de justiça, ambos associados a uma manipulação demagógica dos sentimentos de inveja e de injustiça.

A procura utópica pela igualdade

O perigo populista tem várias dimensões, sendo talvez a mais relevante a busca da igualdade económica de riqueza ou de rendimentos em que o conceito de pobreza é completamente relativizado.

Sendo as sociedades europeias desenvolvidas e tendo uma grande e próspera classe média, a ideia de pobreza não pode ser a mesma de regiões como África. Desta forma, a definição populista de igualdade assenta na ideia simples mas poderosa de que desde que haja uma pessoa menos rica do que outra, existe pobreza por definição.

O discurso populista apela à inveja ao afirmar que há gente que ficou muito pobre porque foram roubados pelas elites milionárias, propagando a mentira de que a riqueza é sempre a mesma e que ninguém pode enriquecer sem tornar outros mais pobres.

O exemplo mais conhecido desta relativização é o conceito de “taxa de risco de pobreza” adoptado pela União Europeia, que na realidade não mede qualquer nível de pobreza mas apenas a distribuição do rendimento. A imposição desta visão relativista foi conseguida com a colaboração da mesma elite que os populistas criticam, nomeadamente políticos, economistas, empresários, artistas ou jornalistas, e também de diversas organizações internacionais.

Como os países desenvolvidos funcionam num sistema capitalista com economias de mercado, torna-se inevitável haver diferenças no nível de riqueza e de rendimento entre as pessoas. Deste modo, a relativização do conceito leva de forma determinística à existência de um problema de pobreza que é causado pelo capitalismo.

O discurso populista apela à inveja ao afirmar que há gente que ficou muito pobre porque foram roubados pelas elites milionárias, propagando a mentira de que a riqueza é sempre a mesma e que ninguém pode enriquecer sem tornar outros mais pobres.

Esta culpabilização da pobreza de uns pela riqueza de outros num jogo de soma nula constitui a génese do discurso populista a partir do qual a ideia de desigualdade económica é exagerada e generalizada, ignorando propositadamente diferenças entre os países, as razões culturais para a pobreza, ou colocando ao mesmo nível os desfavorecidos dos países ricos onde existe um estado providência com os miseráveis nos países pobres.

Se contextualizarmos esta lógica com a crise financeira de 2008 e o desemprego que se lhe seguiu, ambos causados pelas falhas do mesmo capitalismo que possibilitou o aparecimento da próspera classe média, em conjunto com os novos multimilionários das grandes empresas surgidas com a globalização dos mercados e com a liquidez gerada pela política monetária expansionista usada para combater a crise, temos o ambiente necessário para que este tipo de populismo singre.

O igualitarismo é uma ideia popular e facilmente aceite porque é sempre associada a potenciais problemas de concentração de poder (grandes empresas, alta finança, grandes fortunas, mas perante o qual a potencial existência de abuso de poder não pode ser resolvida pela imposição do igualitarismo) e pela defesa dos mais pobres ou dos que foram fragilizados pelas elites, assuntos em relação ao qual a maioria das pessoas é sensível.

O populismo “vende-se” ligando a igualdade à pobreza e assumindo implicitamente que, como a erradicação da pobreza é um objectivo desejável e muito popular (mesmo que impossível na própria definição relativista que assume), a igualdade económica torna-se um objectivo legítimo.

Outro expediente usado é o de misturar propositadamente a igualdade económica com uma ideia que é consensual nas sociedades desenvolvidas, a igualdade perante a lei. O populismo apresenta a igualdade perante a lei como a obrigação do Estado em garantir todos os direitos (leia-se igualdade de condições e de oportunidades) que permitem aos mais desfavorecidos beneficiarem da sua liberdade (a liberdade positiva de Isaiah Berlin).

Mas a igualdade perante a lei refere-se às regras comumente aceites para que a sociedade possa funcionar produzindo necessariamente resultados desiguais pelas próprias características e capacidades diferenciadas de cada indivíduo. Ou seja, a igualdade perante a lei não implica igualdade de resultados nem sequer a igualdade de oportunidades.

O discurso populista manipula este conceito e inverte a sua ordem de modo que a proclamação da igualdade como valor traga implícito que a igualdade económica é condição necessária para que haja igualdade perante a lei. Ou seja, na visão populista a igualdade perante a lei deixa de representar as regras por que se rege o funcionamento da sociedade e torna-se uma consequência do igualitarismo de condições e de oportunidades imposto pelo Estado. É desta forma que as ideias de Mill são distorcidas.

Um exemplo de uma consequência directa e perversa deste postulado populista é a impossibilidade de haver heranças (tudo reverteria para o Estado após a morte) pois elas iriam perpetuar todas as diferenças de condições à nascença, impedindo a igualdade perante a lei.

Esta visão atingiu o seu auge no início dos anos 1970, quando as taxas marginais de imposto sobre o rendimento em Inglaterra alcançaram um valor próximo dos 100% (o que significava que todos os acréscimos de rendimento obtidos a partir de um determinado nível passavam para as mãos do Estado), e está agora a voltar como o demonstra a tentativa recente e falhada dos franceses em impor uma supertaxa sobre o rendimento de 75%.

Igualdade e justiça

A segunda origem concreta deste populismo é a sobreposição intencional e desonesta, porque enviesada, entre os conceitos de igualdade e de justiça.

A igualdade é um conceito objetivo que representa um ponto extremo (uma radicalização) entre igualdade absoluta e desigualdade absoluta. Entre estes dois extremos existem inúmeras alternativas possíveis para as diferentes questões sociais, tais como a distribuição da riqueza ou do rendimento.

Na prática os populistas vêm igualdade em tudo, mas considerar igualdade como sinónimo de justiça é mais do que injusto, é amputar um conceito complexo e rico, e é promover a pobreza da realidade humana. A igualdade é, na verdade, uma fonte habitual de injustiça, como seria injusta a igual sanção de um assassino intencional e de uma morte causada acidentalmente.

Justiça, por seu lado, é um conceito muito mais complexo, e por isso mais subjetivo, uma vez que pode estar associado a ideias tão diferentes como mérito, compaixão, virtuosismo, capacidade de trabalho, esforço, merecimento, sendo que a igualdade será quanto muito uma das suas componentes.

Para além do seu conteúdo também a moral que lhe está associada e as justificações para se ser justo são importantes. Dada a multidimensionalidade do conceito poder-se-á dizer com alguma segurança que em cada português ou em cada nacional de um país europeu haverá uma noção diferenciada de justiça.

Os populistas reduzem esta riqueza humana à igualdade usando um argumento simples e apelativo para quem se sente desfavorecido: se A tem maior rendimento do que B e A trabalha as mesmas horas do que B, estamos perante uma injustiça que é necessário corrigir. Este argumento é frequentemente usado paras as diferenças de rendimento entre os sexos.

Na prática os populistas vêm igualdade em tudo, mas considerar igualdade como sinónimo de justiça é mais do que injusto, é amputar um conceito complexo e rico, e é promover a pobreza da realidade humana. A igualdade é, na verdade, uma fonte habitual de injustiça, como seria injusta a igual sanção de um assassino intencional e de uma morte causada acidentalmente.

Note-se como qualquer noção de mérito é esquecida no meio da argumentação populista: todos são igualmente trabalhadores, pelo que todos merecem ter o mesmo nível de rendimento. Por outras palavras, o mérito individual associado à inteligência, ao esforço ou à qualidade do trabalho é totalmente eliminado no discurso populista.

Esta forma de populismo baseada na distorção de conceitos e no discurso manipulativo de sentimentos e valores não se limita à igualdade económica. Aplica-se também à igualdade entre os sexos, à igualdade salarial, à igualdade para as minorias, à exclusividade do Estado no fornecimento de serviços como a saúde ou a educação ou até a temas mais abstractos como a igualdade entre capital e trabalho, como se só no trabalho houvesse pessoas e o capital não tivesse qualquer ligação humana.

2 – Populismo xenófobo

O populismo xenófobo tem também um longo historial, mas esteve pouco activo na Europa a seguir à II guerra Mundial, em especial pelos efeitos do holocausto e de outras atrocidades cometidas em nome da raça e da pureza do sangue. Apesar disso, nunca deixou de existir e teve um ressurgimento na última década, beneficiando do descontentamento gerado nas pessoas pelas consequências da crise financeira internacional.

O populismo xenófobo recorre a algumas tradições e sentido de identidade, sendo por isso frequentemente confundido com o nacionalismo, acusa a imigração ilegal de ser responsável pela ausência de empregos e demoniza mesmo os imigrantes pelas diferenças étnicas, religiosas ou culturais que apresentam face à população local, enquanto defende o reforço dos subsídios e apoios de que beneficia a sua base de apoio.

Actualmente a legitimidade democrática também está abundantemente presente no discurso populista xenófobo, mas a ênfase não é tanto nos direitos nem na necessidade de ajudar os desfavorecidos, mas na defesa das condições de vida das populações utilizando a manipulação de sentimentos e de valores associados ao receio pela incerteza, insegurança e pela perda de uma referência cultural e social.

O populismo xenófobo recorre a algumas tradições e sentido de identidade, sendo por isso frequentemente confundido com o nacionalismo, acusa a imigração ilegal de ser responsável pela ausência de empregos e demoniza mesmo os imigrantes pelas diferenças étnicas, religiosas ou culturais que apresentam face à população local, enquanto defende o reforço dos subsídios e apoios de que beneficia a sua base de apoio.

Neste caso, o perigo de haver uma tirania da maioria surge principalmente da tendência de fechar a sociedade a alguns grupos e confiar numa liderança forte e personalizada que supostamente sabe melhor o que é bom para todos.

O populismo xenófobo também se manifesta pela oposição entre “nós”, os puros que trabalham arduamente e que são injustiçados, e “eles”, as elites de privilegiados que tudo faz para aumentar as suas mordomias e de políticos indignos de confiança que querem impor a presença de estrangeiros.

Esta xenofobia face aos outros, os estranhos ou os “estrangeiros”, surge ligada à globalização e à liberdade de circulação das pessoas e das empresas, e contesta a resposta que está a ser dada através de políticas pós-nacionais baseadas em organizações internacionais.

Ao contrário do populismo igualitário, o populismo xenófobo é bastante evidente para o público e por isso não consegue, nem pretende, passar despercebido. Tem uma significativa representatividade em partidos como o Rassemblement Nationale, em França, a Lega Nord, em Itália, o Vox em Espanha, ou o Vlaams Blok na Bélgica, cujo traço comum é a contestação da perda de soberania e dos efeitos negativos da globalização.

Há diferentes razões para considerar o populismo xenófobo como uma reacção à globalização e à política supranacional mas todas se alimentam mutuamente da geração de insegurança e de perda de sentimento de pertença. A maior distância entre eleitores e eleitos e a incerteza no contexto de uma rápida globalização levam ao aumento do medo associado ao enfraquecimento de referências culturais e sociais.

Incerteza e insegurança

O aumento de um sentimento natural associado à incerteza e à insegurança relativamente ao desemprego, às variações de rendimento e às condições de vida, surge devido a algumas características da globalização, como o deslocamento de empresas para outros países, o aumento da imigração, a imposição do multiculturalismo, o terrorismo, e outras ameaças sociais latentes.

A resposta aos problemas da globalização pode vir por três vias: o encerramento de fronteiras, a cooperação ou a integração de políticas. O populismo xenófobo tende a preferir a primeira e, em simultâneo, a desvalorizar os assuntos internacionais.

Mas a opção dos Governos tem sido pela cooperação ou pela integração, especialmente no caso da União Europeia (UE). Esta opção por decisões políticas a nível supranacional e a perda progressiva de proximidade com os eleitores é a que mais facilita a reacção de sentimento nacionalista que os populistas xenófobos tentam explorar em seu proveito.

Um parêntesis é aqui necessário para clarificar que, como refere Anthony Smith, apenas o nacionalismo étnico é populista e xenófobo. O nacionalismo territorial não implica necessariamente o medo do que é estranho, como demonstra a ascensão do estado-nação no século XIX associada aos valores liberais e como distingue o Brexit de outros nacionalismos (os imigrantes dos países da Commonwealth no Reino Unido, que se sentiram prejudicados pela livre circulação de pessoas na Europa, estão entre os principais apoiantes do Brexit).

Para os populistas, o país é visto como a base geofísica e popular para a democracia pelo que a plena legitimidade democrática apenas existe a nível nacional. Este é o ponto de partida da argumentação, que é depois desenvolvida no sentido de questionar a legitimidade de decisões supranacionais e de as associar a uma deficiente resposta aos problemas das pessoas comuns.

Os populistas não aceitam o argumento de que uma entidade supranacional poderosa é necessária porque os países não são capazes de ser soberanos num mundo global e por isso devem compartilhar a soberania para ter os seus interesses melhor defendidos.

No âmbito em que as questões internacionais não podem ser ignoradas, o populismo xenófobo questiona a visão internacionalista com base na perda de proximidade das decisões políticas, agravada pela complexidade dos processos decisórios.

Esta distância face ao problema das pessoas é usada para questionar a capacidade das instituições em resolve-los e para justificar o desinteresse da sociedade pelos assuntos públicos.

Os populistas não aceitam o argumento de que uma entidade supranacional poderosa é necessária porque os países não são capazes de ser soberanos num mundo global e por isso devem compartilhar a soberania para ter os seus interesses melhor defendidos.

Por um lado, porque não existe soberania compartilhada, excepto face a países ou regiões terceiros. No caso da UE, o que é apresentado de uma maneira agradável como soberania compartilhada é visto como um argumento “Rousseauniano” para esconder a limitação da soberania e a menor legitimidade democrática. O processo de integração da UE mostra que a soberania compartilhada significa a progressiva centralização política, em que há países com mais poder do que outros e em que o poder das pessoas é afastado.

A moeda única ou o acordo de Schengen são exemplos dessa centralização. Os populistas realçam os custos associados à perda da política monetária, que se materializou nos efeitos e na incapacidade de resposta à crise financeira e económica e no elevado desemprego em países como Portugal ou a Grécia, e a excessiva imigração causada pela eliminação das fronteiras internas e pelo relaxamento das fronteiras externa da UE.

Desta forma, a consequência direta da centralização é a aplicação de políticas iguais para diferentes lugares e necessidades, e uma harmonização legal e regulatória que leva à homogeneização e à sua desadequação às realidades locais.

Para além disso, os populistas contestam a hipocrisia de que os problemas causados ​​pela excessiva centralização se tornem precisamente a base para argumentos a favor de maior centralização, como são exemplo as propostas para um segundo orçamento e um Ministro das Finanças para o Euro, ou as políticas europeias para lidar com a imigração.

Este contínuo acumular de centralização significa que a formulação de políticas está ainda mais distante dos eleitores, aumentando assim o desconforto democrático e alimentando o populismo xenófobo.

O terceiro argumento é que é preferível a cooperação entre Estados para lidar com as questões da globalização. Os populistas denunciam a necessidade de serem organismos supranacionais a regular a globalização com base na existência de organizações intergovernamentais como a NATO ou a Organização Mundial do Comércio.

Face à centralização, o populismo prefere decisões baseadas na cooperação, onde o processo de tomada de decisão é descentralizado e mais próximo dos eleitores, e permite que cada país lide com suas especificidades e as preferências das pessoas enquanto voluntariamente limita a soberania sem “passar cheques em branco”.

Para os populistas, o Estado nacional é o garante de um mundo descentralizado em questões globais, onde os governos legitimados estão mais próximos de cada povo e capazes de representar tanto as suas preocupações quanto os seus valores históricos e culturais. A regulação da globalização requer estados mais fortes de modo que o perigo potencial para a democracia da centralização supranacional possa ser evitado. Desta forma, o populismo xenófobo aproveita o argumento de Tocqueville, Burke ou Mill de que uma sociedade descentralizada é o caminho para a prosperidade e para a tirania ser evitada.

Identidade ameaçada

Os sentimentos de incerteza e de insegurança são reforçados com as ameaças ao sentimento de identidade cultural e social. O populismo xenófobo alimenta-se das preocupações das populações e aproveita a contradição das elites nacionais que são responsáveis pela resolução dos problemas mas que, simultaneamente, transferem essa responsabilidade para instâncias supranacionais.

Esse sentido de identidade só existe a nível nacional ou infranacional e está no cerne do nacionalismo, que pode ser visto como resultado de uma unidade cultural e soberania política investida em todo um povo.

Os populistas defendem que a homogeneização originada pelo centralismo supranacional promove a pobreza cultural e a imposição de valores muitas vezes indesejados. A existência de uma força motora afetiva que é o sentimento de pertencer e de servir uma comunidade nacional faz com que as pessoas se sintam seguras e recusem um caminho para um estado único utópico como o proposto por Toynbee.

Isto é mais relevante numa era em que os fluxos de informação são permanentes e intensos, e algumas das principais referências tradicionais estão a ser diluídas: religião, práticas de trabalho e poupança, normas culturais e sociais ou o estado nação.

Este efeito é agravado pela inexistência de uma identidade, cultura ou valores específicos comuns europeus que substituam os nacionais. Na Europa não há uniformidade cultural porque nunca houve uma Europa unida no passado A herança cultural comum judaico-cristã foi desprezada pela própria União Europeia e valores comuns como a Liberdade e a Democracia ou a economia de mercado não são exclusivos da Europa.

O populismo xenófobo está assim a crescer na Europa em oposição à centralização política e a perda de referências históricas, sociais e culturais, que afectam negativamente a autonomia de cada país no mundo e resultam na perda de flexibilidade para o ajustamento aos choques da globalização.

3 – Um populismo explícito e um populismo disfarçado

Nenhum dos dois populismos é novo e ambos ganharam visibilidade com a crise financeira de 2009, mas enquanto o populismo igualitário está presente há muitos anos em Portugal e na Europa, o populismo xenófobo reforçou-se significativamente na última década.

A suposta novidade deste populismo fornece uma primeira explicação para ser mais receado nas democracias consolidadas da Europa ocidental do que nos países democráticos mais recentes do Leste europeu.

A diferente avaliação dos populismos pode ser explicada, pelo menos parcialmente, pela história recente, e pelas tradições históricas e culturais de cada país, designadamente pelo tempo que passou desde que houve uma ditadura, na medida em que influenciam as percepções e a tolerância de cada povo.

As outras duas razões são que o populismo igualitário não é habitualmente reconhecido como tal, especialmente na Europa Ocidental, e que o populismo xenófobo constitui uma oposição à evolução da política para uma esfera pós-nacional, o que é mais relevante em países que só recentemente recuperaram a sua autonomia, como no Leste Europeu.

A diferente avaliação dos populismos pode ser explicada, pelo menos parcialmente, pela história recente, e pelas tradições históricas e culturais de cada país, designadamente pelo tempo que passou desde que houve uma ditadura, na medida em que influenciam as percepções e a tolerância de cada povo.

Na Europa Ocidental as memórias da Segunda Guerra Mundial e dos regimes nazi e fascista tornam menos tolerável o populismo xenófobo, o que faz com que os partidos que o representam sejam vistos com desconfiança enquanto o populismo igualitário é aceite como democrático apesar da sua ideologia radical.

Diferente parece ser o que se passa na Europa Oriental, que viveu décadas sob tirania comunista e por isso parece tolerar melhor o populismo xenófobo, como na Hungria ou Polónia. Mesmo os países que sofreram uma ocupação nazi e soviética, como a Polónia ou os países bálticos, parecem sentir mais a opressão comunista por ter sido mais prolongada, ser mais recente e continuar a ser uma fonte de preocupação pela ameaça russa.

Mas independentemente destas diferenças de percepção, ambos os populismos defendem políticas que são populares a curto prazo, mas que após algum tempo se revelam desastrosas e mesmo prejudiciais para quem as apoia. Um exemplo óbvio é a tentativa de desvalorização da dimensão do deficit orçamental ou da dívida pública.

Ambos são perigosos para a Liberdade e para a Democracia e ambos recorrem a ideias consensuais para manipular sentimentos, mas enquanto o populismo igualitário é tolerado ou passa despercebido, o populismo xenófobo é geralmente reprimido e criticado.

Esta diferença de atitude face ao populismo por parte das sociedades europeias, e que é ecoada pela comunicação social geralmente sem qualquer sentido crítico, é pouco sensata porque o populismo igualitário é mais perigoso uma vez que não enfrenta restrições legais rígidas como o populismo xenófobo e surge disfarçado, impregnando-se como os falsos amigos que constroem uma “amizade” a pensar no seu interesse.

O populismo xenófobo enfrenta normalmente restrições legais rígidas como as que previnem a discriminação étnica ou religiosa, mas o populismo igualitário tem obstáculos com menor força legal, em que a protecção que é garantida face ao intervencionismo do Estado à liberdade económica ou à propriedade privada é limitada.

Além disso, não só a fácil aceitação do populismo igualitário se torna mais evidente quando comparado com o populismo xenófobo como o radicalismo do primeiro contribui para o crescimento do segundo.

O populismo igualitário, pelas suas características internacionalistas e associadas à tentativa de mudar as fronteiras sociais e os valores e instituições tradicionais, a começar pela limitação do papel da religião, é favorável à afirmação de uma política pós-nacional que vá de encontro aos seus objectivos. O populismo xenófobo, por seu lado, é relutante em aceitar transferências de soberania e reage defendendo uma identidade, tradições e práticas nacionais que o populismo igualitário ameaça.

Na prática, o crescimento do populismo xenófobo é alimentado pelo aumento do populismo igualitário, conduzindo a uma progressiva radicalização da vida pública como se observa actualmente nos países desenvolvidos.

As eleições europeias podem conduzir ao reforço destes populismos e por isso há motivos para preocupação no que se refere ao futuro da Liberdade e da Democracia, em Portugal e na Europa.

Mestrando no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa