O populismo sendo um termo vago (aplicável a praticamente todas as figuras políticas), é frequentemente usado como acusação entre adversários políticos. Mas se nos abstrairmos desta adjetivação pejorativa e procurarmos um conteúdo podemos ver o populismo como uma forma de actuação política que confronta a “democracia liberal”, não enquanto democracia mas pelos seus contornos liberais, isto é, por favorecer a formação de elites sejam elas económicas, políticas, étnicas, ou de uma outra qualquer natureza.
Sendo vaga, e heterogénea a definição populismo também esta inconsistência se estende à forma como um populismo pode ser identificado na sociedade, podendo a sua manifestação surgir personificada num líder, num partido, num movimento ou ser apenas uma síndrome (… um mal-estar na sociedade). A forma como surge na sociedade depende do tempo político em que ocorre, do enquadramento e com a natureza do líder.
Com origens e evolução diversas, a sua acção e expressão política é também variável, indo desde formas as xenófobas ou racistas de alguns populismos europeus, a outras conotadas com a extrema-esquerda e associadas a clientelismos e má governação económica, como acontece em alguns governos da américa latina e movimentos políticos europeus. Muitos deles situam-se entre estes extremos, ainda que sejam os partidos adversários que por motivos de tacticismo político os conotam com as manifestações mais extremadas dos populismos. E é claro que muitos dirigentes políticos facilitam essa conotação.
O populismo é uma forma de envolvimento das pessoas na política. Um envolvimento activo, que não é substituído pelas formas de democracia representativa. Apesar das democracias liberais enfatizarem constantemente a necessidade das pessoas se envolverem na política, quando estas tentam participar, logo surgem os arautos da democracia liberal a dizer que a participação activa não faz sentido porque foi substituída por formas de representação, e que um voto a cada quatriénio é participação activa suficiente!
A democracia representativa e os que a simbolizam sempre foram vistos com desconfiança pelo cidadão comum e pelo povo que assinala os excessos e luta para que a democracia representativa não lhe sufoque a voz.
Os movimentos populistas surgem quando os protagonistas políticos, i.e., as elites se afastam do povo que os escolheu. Esta intervenção populistas tanto pode surgir do especto político da direita (origem mais frequente) como também dos sectores mais à esquerda da sociedade. Segundo Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (ideólogos dos movimentos populistas de esquerda), o declínio da legitimidade e da capacidade de intervenção dos partidos e movimentos de esquerda, em especial após a queda do muro de Berlim em 1989, leva a esquerda a abandonar a luta de classes e a introduzir questões fracturantes na vida política para dessa forma incentivar a mobilização de sectores excluídos da sociedade tornando-a mais democrática e interventiva.
Roger Eatwell num interessante livro sobre a origem dos movimentos populistas (Populismo: A revolta contra a Democracia Liberal – Edições Desassossego) resume habilmente as origens do populismo com quatro factores, quatro D – Desconfiança; Destruição; Despojamento; e Desalinhamento. (I) Desconfiança das instituições que representam elites e se afastam do cidadão comum e dos seus anseios. Desconfiança agravada por um clima de corrupção, compadrio e nepotismo nas elites. Desconfiança do fim da era “dourada do capitalismo com segurança social e elevador social”; (II) Destruição do modo de vida e dos seus valores. Destruição dos valores culturais e expetativas económicas pelos fluxos de imigrantes. Destruição originada por um mundo financeiro que apoia a imigração em massa como mão de obra barata, enquanto as agendas do politicamente correto a apoiam; (III) Despojamento por agravamento das desigualdades e diminuição dos rendimentos. As pessoas deixam de acreditar no futuro, acham que o passado foi melhor e o futuro será claramente pior. Não há esperança! Não há esperança porque as espectativas não se concretizaram. O que lhes foi vendido é mentira. O salário mínimo aproxima-se do médio. Não há esperança, não há como fugir a esta armadilha. O elevador social passou a ser uma escada e agora é um escorrega. É por isso que os movimentos populistas têm muitos apoiantes entre as classes com maior formação, com mais expectativas e também mais desapontadas e desiludidas. A globalização e as alterações no mundo do trabalho reduziram à irrelevância muitos trabalhadores. As pessoas sentem-se com despojamento económico, social e familiar, e a ordem não tem de ser essa. O despojamento foi-se agravando desde a década de 1970, e posteriormente pelas políticas neoliberais que aumentaram o fosso entre ricos e pobres. Estes últimos viram as suas condições a piorar e as dos seus filhos seguramente e serem piores. Este constante despojamento criou um fosso entre pessoas e partidos políticos, tendo essa massa de despojados ficado disponíveis para adotar posturas populistas. Para que o movimento se inicie só lhes falta um líder forte; (IV) Desalinhamento. Quebraram-se os laços com os partidos dominantes. Durante a era dourada do capitalismo e segurança social as políticas liberais eram estáveis, os partidos eram estáveis e os eleitores eram-lhes fiéis. Agora estão desalinhados.
É difícil definir o que é ser populista. Em regimes democráticos todos os políticos são populistas (e curiosamente os mais populistas são os que mais rejeitam a designação) pela empatia que têm de estabelecer com o eleitor. Não há populismo sem empatia e afetos. Mas há diferenças entre um líder populista e um outro que utiliza técnicas populistas durante um período eleitoral. O primeiro depois de eleito mantém o discurso populista, marcando a dicotomia entre o nós, o povo, os puros (onde o líder se insere), e as elites corruptas. O segundo rapidamente abandona este discurso. Ao fim de alguns anos no poder, o líder populista não difere muito dos restantes e tende a apresentar tiques autocráticos e a apoiar-se em clientelas que entretanto vão surgindo.
É difícil encontrar um traço comum no pensamento económico entre os vários movimentos e partidos populistas, para além de uma rejeição mais comum da globalização económica. É habitual referir-se que o pensamento económico dos sectores populistas dos regimes da América latina, e em especial nos finais do século XX (Argentina; Brasil; Peru), tinham políticas económicas que se caracterizaram por uma despesa maciça à custa de dívida externa num primeiro momento, para depois “travarem a fundo” e submeterem a sociedade a uma forte recessão e reajustamento.
Não havendo uma doutrina económica populista assente num pensamento económico ou corrente filosófica, muito do “modus operandi” económico dos populistas ou não difere das políticas neoliberais, ou caracterizam-se por ser despesistas, com muita despesa pública e grande, demasiada, redistribuição da riqueza.
Os populismos europeus surgidos após a década de 90, fizeram-no em reacção à globalização dos mercados. Com a queda do muro de Berlin em 1989 e o subsequente colapso dos países socialistas, muitos liberais viram nesses acontecimentos o “fim da história” (Francis Fukuyama) e propusessem que com a globalização dos mercados o mundo atingisse um patamar de maior democratização. Ora isso não aconteceu. Os regimes não se democratizaram por via económica e paradoxalmente os mais democráticos viram a qualidade da sua democracia diminuir em virtude da externalização da produção e a procura dos menores custos na produção (leia-se menores salários). O resultado foi a exportação dos sectores produtivos, a redistribuição da “pobreza” dos países menos desenvolvidos e uma acumulação de riqueza nas novas elites que entretanto se foram formando ou acentuando. A reação popular foi óbvia e os movimentos populistas começaram a surgir um pouco por todo o lado.
O populismo é também uma estratégia para o poder. Uma estratégia que pode envolver um partido ou resultar do apelo directo de um líder ao povo. No extremo desta forma de actuação encontramos os populistas que benevolamente podemos descrever como folclóricos, e cuja principal característica é a de adquirirem notoriedade nos média, pela sua forma extravagante, e de os usarem para corporizarem e difundirem sua mensagem (Donald Trump, Beppe Grillo, André Ventura, etc). Com esta forma, intencionalmente não profissional, de fazer política, estes candidatos pretendem fazer-se notar através de desempenhos exóticos e diferentes que retirem qualquer conotação do desafiador político com os líderes dos partidos tradicionais e as suas elites. Com esta forma colorida de fazer política tentam afirmar-se pela diferença. Pretendem ser corajosos e dessa forma distanciar-se das elites e assim captar as massas e o eleitorado. “… Costa, vou atrás de ti …”. Apenas conseguem ser jactantes.
O populismo pode assim apresentar-se como movimento, um partido, com ou sem um líder incontornável cuja queda poderá determinar ou não o fim do movimento ou do partido. Pode ser uma estratégia política, um desejo de mudança económica, uma visão maniqueísta da sociedade (o povo vs as elites corruptas), uma forma de nacionalismo etc. Pode ter parte destas características ou a sua quase totalidade, mas seguramente nenhuma delas de forma isolada.
Existirá uma ideologia populista? Se por ideologia entendermos um conjunto de normativos que regem o individuo e a sociedade, ou seja uma visão optimizada do homem e da sociedade, então o populismo pode ser uma ideologia se reduzida à sua dicotomia de povo puro versus elites corruptas. Se visto como uma ideologia, será sempre uma de malha larga incapaz de fornecer respostas a questões complexas. Para estas tem de recorrer a outros “ismos”, habitualmente visões conservadoras, liberais ou neoliberais, mas que também podem ser marxistas ou socialistas. É por receber de outras ideologias muito da sua orientação política que a sua apresentação final é ideologicamente muito policromática. Há assim vários subtipos de populismos e não existe uma forma pura (Cas Mude e CR Kaltwasser).
Sendo difícil definir o que é ser populista podemos abordar a questão pela negativa, i.e., identificar o que é não ser populista. E há duas formas de não ser populista – ser elitista; e ser pluralista (Cas Mude e CR Kaltwasser).
Os elitistas também, também dividem a sociedade de forma maniqueísta em povo e elite. Só que para estes, a elite é dotada de virtudes enquanto o povo é perigoso, desonesto e irresponsável. Os regimes elitistas rejeitam a democracia e é neles que os regimes ditatoriais se podem alicerçar. Os regimes pluralistas rejeitam a visão maniqueísta da sociedade e vêem-na composta de várias camadas de cuja interação e equilíbrio resulta o funcionamento da sociedade, evitando-se dessa forma que esta venha a ser dominada por um grupo específico. Não se comprometem com o respeito da maioria e é por isso que se distanciam das formas populistas e do povo.
Uma acusação que por vezes é feita ao populismo, é de este assentar em formas mais ou menos explícitas em clientelismo. Mas não devem ser confundidos. O clientelismo não tem uma divisão maniqueísta da sociedade entre elites e povo. O clientelismo pode servir a qualquer grupo através de troca de favores ou apoio. É uma estratégia de poder e como tal pode ser adotada por qualquer força política.