Comecemos por um facto incontornável: a direita alcançou um dos piores resultados de sempre em eleições legislativas. As fragilidades do PSD e do CDS criaram terreno fértil para a eleição dos primeiros deputados do Iniciativa Liberal e do Chega. Por um lado, alguns liberais do PSD e, sobretudo, do CDS, mudaram-se de malas e bagagens para o Iniciativa Liberal. Por outro, a ala mais conservadora e nacionalista do CDS encontrou no Chega a voz mais musculada que tanto procurava. Esta migração de votos interna alterou o xadrez político, mas não explica a queda da direita, cujo fracasso eleitoral deveu-se à saída de uma parte do eleitorado para se refugiar na famigerada abstenção, e outra parte que deambula entre o PS e PSD que se comoveu com o bem desenhado programa de marketing de António Costa. E eis que a direita perdeu 21 deputados na Assembleia da República em quatro anos, e 46 em oito anos.
Estes resultados não se podem dissociar do panorama sociopolítico nacional. Portugal é o país europeu onde o Partido Comunista tem maior peso e, por outro lado, fomos um dos últimos países a receber no parlamento um partido nacionalista. Houve sempre uma óbvia inclinação à esquerda na sociedade, onde, além de um PCP forte (a queda gradual da sua votação é evidente, mas o peso sindical mantém-se intacto), ainda surge espaço para outras forças partidárias igualmente radicais de extrema-esquerda, mascaradas por uma embalagem mais moderna, como o Bloco de Esquerda e o Livre. Tudo isto é normal neste país da cauda da Europa.É um retrato de um país que ainda vive estigmatizado com as recordações de um regime salazarista conotado de (extrema-)direita e que, por isso, sempre aceitou melhor as ideologias de esquerda. Os discursos dos próprios partidos demonstram esta evidência. À esquerda, todos os partidos intitulam-se orgulhosamente de “esquerda”. À direita, existe um receio transversal dessa conotação, quase vergonha. Rui Rio até diz que o seu partido é de centro, enquanto o CDS prefere optar por se intitular de “centro-direita”, como se à direita estivesse o bicho-papão que todos querem evitar. O Chega não receia afirmar o seu posicionamento, e acredito que essa transparência até lhes tenha valido alguns votos a favor. Por fim, o Iniciativa Liberal (IL) diz não ser de direita nem de esquerda. É certo que o programa do IL aproxima-se da direita em matérias económicas, mas afasta-se em temas de costumes e liberdades individuais. O espectro político unidimensional é limitado, e até obsoleto em determinadas matérias, mas tendo de enquadrar o IL num dos lados, o seu espaço mais natural será claramente à direita, ainda mais porque as questões fraturantes (onde o IL se distancia da direita conservadora) são historicamente lideradas por movimentos da sociedade que extravasam em muito os partidos políticos.
Esta apetência canhota dos partidos e do país conduziu a um esvaziamento da nossa direita, e sobretudo do seu espaço ideológico. Não é por acaso que os dois novos partidos deste espectro são marcadamente ideológicos, colmatando uma lacuna do PSD e CDS. É um sinal dos eleitores de que algo tem de mudar.
O contexto é muito pouco favorável para a direita, que enfrentará inúmeras dificuldades para voltar ao poder. É um século XXI pouco entusiasmante para este quadrante político. As duas passagens pelo governo são de má memória. Primeiro, por um governo que acabou dissolvido por Jorge Sampaio em 2005, e depois por outro que recebeu o país sob assistência da Troika em 2011, e que pouco mais pode fazer do que seguir as diretrizes internacionais. Falta ao currículo recente da direita uma governação sólida, associada a crescimento, desenvolvimento económico e implementação de profundas reformas estruturais. A confiança dos portugueses é escassa e precisam de acreditar que um governo de direita pode ser muito mais do que contas certas.
Só uma direita forte e unida no propósito de se afirmar como alternativa ao socialismo, promovendo uma maior iniciativa privada, a redução do peso do Estado e consequente redução da carga de impostos, poderá ambicionar derrotar António Costa e assumir a governação daqui a quatro anos. É o momento para haver convergência nestes princípios, mas é de salutar divergência noutros aspetos ideológicos, de modo a acomodar todas as correntes da direita: social-democracia portuguesa, liberais, conservadores e democratas-cristãos. O caminho não será fácil, numa fase em que três dos seus partidos procuram o seu novo líder, e arriscam-se a que os novos presidentes não tenham presença no parlamento e que tenham de lidar com um conjunto de deputados não escolhido por eles.
É por isso saudável, e até benéfico, que a direita seja composta por lideranças ideologicamente distintas, mas sob alicerces comuns. O nome de Adolfo Mesquita Nunes chegou a ser equacionado para liderar o CDS, notícia que o próprio acabou por negar. É um dos mais notáveis políticos, e um dos rostos da nova geração, que será um dia inevitavelmente líder do seu partido. Mas tomou a opção mais sensata no momento atual. Adolfo Mesquita Nunes é um liberal, uma das principais figuras do liberalismo em Portugal. Conduziria o partido para a trajetória mais liberal da sua história. Perante o aparecimento de uma nova força partidária claramente liberal, a direita terá mais a ganhar por ter um CDS que recupere a sua matriz democrata-cristã e à valorização de alguns valores tradicionais como a família, mas sem que isso o leve para uma espiral obsessiva hiper conservadora desligada do século XXI. Este posicionamento permitiria também atenuar o crescimento do Chega, evitando uma elevada dependência deste partido antissistema numa potencial futura coligação de direita de governo. O líder da Juventude Popular, Francisco Rodrigues dos Santos, personifica bem esta corrente ideológica e aquilo que poderia ser o futuro presidente do CDS. Permitiria uma importante renovação geracional, mas peca por inexperiência, pelo que a sua eleição para a presidência do partido será provavelmente adiada.
Por outro lado, o PSD tem de se saber diferenciar das esquerdas. Assumir-se como partido de centro, como recorrentemente Rui Rio refere implícita ou explicitamente, um espaço habitualmente liderado pelo PS, só serve para hipotecar ou limitar o seu crescimento. É certo que grande parte do eleitorado está ao centro e é aí que se ganham eleições, mas o discurso deve ser diferenciado, deve ser de clara oposição, atraindo esses eleitores para as soluções políticas alternativas de direita. Miguel Morgado, principal impulsionador do Movimento 5.7 (iniciativa que pretende unir as direitas e os não socialistas, numa alusão à data de formação da AD), tem procurado liderar este posicionamento em contracorrente de um PSD descaracterizado e amorfo. Contudo, a falta de apoios internos e insuficiente notoriedade pública poderão limitá-lo a uma ascensão imediata a líder do PSD.
Será a direita capaz de superar os fantasmas do passado, ultrapassar o contexto atual desfavorável e encontrar líderes que galvanizem os portugueses em prol de uma verdadeira alternativa ao socialismo? Se não for capaz, o horizonte de quatro anos será estendido para oito e o cariz socialista e de esquerda afirmar-se-á ainda mais na sociedade e no arco da governação.