“Funcionou o que devia ter funcionado” – Marcelo Rebelo de Sousa há 3 semanas a respeito do sismo.
Há 3 meses, assinalando a data trágica da tragédia de Pedrógão, escrevi aqui uma Carta Aberta ao primeiro-ministro Luís Montenegro a respeito de incêndios, alertando que, e ao contrário da perceção generalizada e do discurso político, “tais tragédias continuam a ter tudo para previsivelmente se repetirem”.
Recorri à metáfora do tipo que salta do cimo de um prédio e passa em queda livre pelo 5.° andar, e que também pode dizer que está tudo a correr bem, o mal é quando chega ao chão… Para sensibilizar o nosso primeiro-ministro (com umas declarações feitas à data) que se “o último ano foi um bom ano” não era fruto do “caminho percorrido nos últimos anos [que] foi positivo”, era mesmo porque ainda estávamos no 5.º andar…
Lembrando ainda que nada disto era novo, quem estuda o fenómeno viu o mesmo tipo de declarações no passado, de que estava tudo bem até estar tudo mal: “Desde 1961, quando ali mesmo em Pedrógão e Figueiró dos Vinhos um grande incêndio destruiu 3 aldeias, ceifou vidas humanas e animais, casas, etc., que ouvimos sempre o mesmo, mas no fim fica tudo na mesma.”
Isto não tem segredo nenhum. A ciência explica-o facilmente através de um Triângulo do Comportamento do Fogo composto por Meteorologia, Topografia e Combustíveis. O comportamento de fogo resulta destas três variáveis, mas destas três, a única que podemos controlar são os combustíveis, sendo por isso a única via para controlar o comportamento dos incêndios. Técnicas também há várias, de roçadoras a maquinaria pesada, passando por fogo controlado ou pastoreio, ou mesmo herbicidas.
Como aplicar isto no terreno? Pois, é para isso que elegemos políticos. “Não é fácil? É tarefa de pouca visibilidade, de resultados a prazo, com custos que a economia sozinha pode não justificar, em áreas despovoadas, etc., etc. Mas este era o trabalho que evitaria desgraças futuras. E que, contas feitas, para o Estado – além da justiça de pagarem todos pela proteção de todos – até era uma gota de água: ao custo do fogo controlado 200 mil hectares seriam uns 25 milhões de euros.”
Mas não sendo fácil, é isso que temos que fazer. O resto – de meios aéreos a vigilância, de penas para incendiários a cadeias de comando, etc. – não passa disso: é o resto. Pode-se fazer muita coisa para melhorar este Sistema, mas sem mexer no essencial, o resultado será sempre o mesmo e o risco de nova tragédia está ao virar da esquina.
Podia ter sido hoje: de manhã, ao ouvir a rádio, nem acreditava no que estava a ouvir: Na A25 o fogo “lambia” a autoestrada; de um lado um camião atravessou-se para ninguém passar; do outro os condutores aproximavam-se do fogo e fugiam em contramão… Não “funcionou o que devia ter funcionado” como o PR diz que aconteceu no sismo. Porque por sorte, o sismo não causou estragos… Aqui, um acidente em cadeia e ficavam todos ali presos no braseiro.
Desta vez não aconteceu, mas foi por uma unha negra. Para a próxima podemos não ter tanta sorte. Isso, sorte… Tantos milhões gastos para estarmos dependentes da sorte… Pelo que termino como terminei a carta: “Terá é que fazer diferente, porque fazendo sempre a mesma coisa, o resultado não pode ser diferente”.