Foi notícia recente que três quartos dos alunos que concluíram o ensino secundário em 2021 tiveram 18 ou mais valores nas disciplinas a que não tiveram de ir a exame, enquanto que no ensino público terão sido metade. Este estado de coisas ter-se-á acentuado em 2020 e em 2021. Ainda no ano letivo de 2020/21, e no que respeita ao 12º ano, as notas de 20 valores mais do que duplicaram a educação física, foram quase o dobro em Português e subiram 50% a Matemática e Biologia. Por mais que, entretanto, tenham existido consequências exemplares para algumas escolas que, de forma continuada e ao longo dos anos, têm vindo a infeccionar as classificações atribuídas ao longo do ensino secundário. Entretanto, as notas de entrada nalgumas das licenciaturas mais valorizadas pelos alunos do 12º ano estiveram, elas também, pertíssimo dos 19 valores. E, no ensino universitário, as notas atribuídas em contexto de dissertações de mestrado, por exemplo, vão-se continuando a distribuir por um intervalo que se reparte, preferencialmente, ente os 17 e os 20 valores.

Se bem que sejam só alguns dados dispersos, é importante que se pergunte a quem serve esta inflação de notas altíssimas? Não sendo, muitas delas, notas verdadeiras, a quem serve esta relação complacente das escolas e dos pais com uma atmosfera “amiga da corrupção” da verdade escolar? Como podem os professores sentir-se respeitados, quer nos seus métodos de ensino quer na avaliação que levam por diante, se eles acabam por ser persuadidos a adoptar classificações mentirosas em relação aquilo que os desempenhos dos seus alunos valem? Depois, o que eles estarão, ainda assim, a avaliar: o conhecimento consolidado dos seus alunos ou o desempenho que eles terão também em função de muitas das equipas de explicadores a que recorrem? Que equívocos fundamentais estamos a alimentar aos nossos filhos quando lhes criamos a ilusão que eles são muito mais competentes, mais inteligentes e mais expeditos do que, de facto, serão?

Quando se fala de reformas no ensino, os métodos de avaliação de conhecimentos e as classificações atribuídas estarão na linha da frente para serem, urgentemente, repensados. Não é verdade que estejamos, todos os anos, a produzir cada vez mais crianças e jovens sobredotados. Estamos, isso sim, em função daquilo que lhes exigimos e das expectativas que colocamos sobre eles, a tornar os nossos filhos mais inseguros diante dos mais diversos momentos de avaliação. E a fazer com que os vivam com mais aflição e com mais episódios vizinhos do pânico. Estamos a criar-lhes a ilusão de que se pode aprender à margem do erro e das falhas a ponto de, mal se confrontam com as primeiras notas mais distantes dos valores a que se foram habituando, parecerem “colapsar”, por falta de recursos para transformarem insucessos em oportunidades de crescimento. Estamos a pactuar com a forma com que, por medo, parecem atrasar “ao máximo” a conclusão da sua formação universitária e a entrada no meio do trabalho – reclamando anos sabáticos, novas oportunidades formativas ou vivendo um bocadinho apavorados o primeiro erro que se imaginem capazes de vir a ter – porque se reconhecem não só sem os conhecimentos que supunham dever ter como lhes falta a sabedoria que resulta da convivência com a frustração, as falhas e os insucessos. Enquanto a sua insegurança cresce as notas altíssimas multiplicam-se. Numa altura em que a educação voltou às primeiras páginas, não seria também uma forma de respeitar os professores e os alunos pôr verdade nas notas?

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