A arte da política portuguesa, que é também a da “politologia” nacional, consiste invariavelmente em reduzir todos os movimentos e confrontos a questões de secretaria e de protocolo (a “guerra jurídica”). Não podia, por isso, ter sido de outra maneira com o conselho nacional extraordinário do PSD. Mas talvez valha a pena ir além da análise dos estatutos ou do reality show das reconciliações e das zangas.

Porque é que Rui Rio ganhou? Em 2015, muitos julgaram que a política portuguesa mudara. Finalmente, o “arco da governação” teria sido substituído por uma bipolarização entre direitas e esquerdas. Acontece que António Costa, nos anos seguintes, não satisfez a agenda das oposições ao ajustamento. Ninguém esperava que saísse do euro. Mas também não renegociou a dívida, respeitou o pacto orçamental, e fez cativações. Isso acabou por convencer muita gente de que a geringonça, afinal, não seria mais do que um arranjo parlamentar de circunstância. É essa a justificação de Rui Rio para dar ao PS as razões necessárias para trocar o PCP pelo PSD, com a esperança de que a companhia socialista ajude a dissipar o enxofre que se colou ao PSD sob a troika. A ideia ainda parece vencer no conselho nacional.

Porque é que Rui Rio vai perder? Por este pormenor: a manobra de António Costa, em 2015, pode não ter resultado num governo de esquerda, mas resultou de uma bipolarização do debate político, notória desde a Guerra do Iraque (2003) e a Grande Recessão (2008). Já não estamos em 1980, quando PS e PSD tinham um inimigo comum, o PCP, nem em 1995, no tempo da “Terceira Via”. O ódio à “direita”, de um lado, e o nojo à “esquerda”, do outro, são agora o ânimo principal de cada uma das tribos. É por essa razão, aliás, que o PS receou durante muito tempo ser ultrapassado por um Syriza ou um Podemos. Rui Rio não deu por isso, ou, se deu, não imaginou que pudesse estar ele próprio ameaçado à direita, se por acaso decidisse repetir a velha rábula do “PSD é um partido de centro-esquerda”. Não, Portugal não tem “populistas”, mas tem muita gente que espera do PSD combatividade contra o PS. Não é todo o eleitorado, mas é capaz de criar um ambiente. Nenhuma votação do conselho nacional, nem mesmo um abraço de Luís Filipe Meneses resolverão esse problema.

Rui Rio não está à vontade. António Costa também não: como fazer corresponder uma verdadeira alternância governativa à tribalização política? Não é uma dificuldade exclusiva da geringonça. Se Costa teve de fazer cativações para equilibrar o défice, o anterior governo PSD-CDS, apertado pelo ajustamento, teve de aumentar impostos. Os constrangimentos financeiros de um país endividado, mais do que as regras europeias, impedem tanto a política de Hayek como a de Keynes. Ou seja, em Portugal, a política é hoje essencialmente dinamizada pela “diferença” e pela “indignação”, mas ninguém sabe muito bem como traduzir isso em termos de governo. Costa está a tentar ultrapassar a dificuldade através da clientelização do Estado. Rio aplica a mesma receita à pequena escala do partido, usando as “listas” eleitorais. Chegará? Ontem, já só chegou para 59% do conselho nacional.

Que poderá sair de tudo isto? Talvez um maior distanciamento entre os dirigentes e os activistas. Irá esse distanciamento, à direita, alimentar a proliferação de partidos ou simplesmente a abstenção? É verdade: o protagonista certo pode compensar muitas insuficiências. Para animar os que desesperam das sondagens, Rui Rio invocou Mário Soares em 1985. Não sei se alguém já lhe disse, mas aqui fica: Dr. Rio, o senhor não é Mário Soares

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