Aristóteles definiu o Homem como um animal político, mas também como um ser dotado de fala. Particularmente, estas definições ajustam–se quase de forma literal, quando falamos sobre dinâmicas partidárias e parlamentares, por motivos evidentes. Isto porque, de facto, falamos de vários indivíduos que interagem entre si, e sobretudo, para quem observa do exterior, a dimensão discursiva é a face mais visível das estratégias internas que cada ator e organização política define.
O âmago central deste pequeno artigo serão as dinâmicas partidárias entre PS e CHEGA que, de forma bastante clara, embora esquecida por maior parte dos analistas, se vêm revelando ao longo desta legislatura. Porque uma valsa não se dança sozinha, ambos os partidos têm revelado uma vertente discursiva aparentemente oposta, mas que os beneficia mutuamente naquilo que são os seus objetivos imediatos. Para de seguida explicitar esta premeditada relação discursiva, vamos recuar uns meses para contextualizar esta relação.
A 31 de Janeiro de 2022, quase todos ficamos surpresos pelos resultados eleitorais ditarem uma maioria absoluta para o Partido Socialista. A maior surpresa foi exatamente causada por a parafernália de sondagens durante o período de campanha eleitoral terem ditado uma “corrida de cavalos” muito renhida entre PS e PSD. Mas também aqui a vertente discursiva terá sido fundamental para o PS lograr esta estrondosa vitória eleitoral.
Neste caso, e de forma resumida, o pedido de uma maioria estável por António Costa por receio de uma coligação pós–eleitoral entre o PSD e o CHEGA, bem como condicionamento discursivo realizado nos restantes partidos da direita sobre a ignomínia de acordos parlamentares com o CHEGA, fizeram com que um massivo voto útil à esquerda e o voto dos eleitores denominados de “centro” fosse suficiente para garantir a maioria absoluta. Até de forma inadvertida e pelo seu próprio discurso, partidos como BE e PCP contribuíram para este mesmo desfecho eleitoral. Alguns diriam até: “Que bela façanha!”
Assim, e porque estratégia que vence não se mexe, as dinâmicas parlamentares discursivas entre estes dois partidos têm se mantido. Por um lado, e de forma natural, a maioria absoluta do PS coloca o CHEGA na sua posição confortável de protesto e reivindicação, afastando–o de qualquer responsabilidade relativamente a governação e maiorias parlamentares. Por outro lado, o crescimento do CHEGA de forma imediata também beneficia os objetivos eleitorais do PS, isto porque impossibilita uma solução “centrista”, nomeadamente porque é percetível que no atual contexto o PSD sozinho nunca conseguirá obter maiorias parlamentares necessárias à governação.
Esta disputa discursiva tem obviamente duas personagens principais: António Costa e André Ventura. Enquanto estas clivagens e acérrimas discussões parlamentares se mantiverem, o próprio PS e António Costa sabem que mais facilmente conseguirão preservar o poder, mas André Ventura também decerto saberá que a curto prazo esta mesma situação favorece o crescimento eleitoral do seu partido, pela mobilização do descontentamento patente na sociedade portuguesa. Veremos exatamente quais serão as consequências destas estratégias a longo prazo, isto num tempo em que muito se debatem os extremismos e populismos. De todo o modo, não se esqueçam que uma valsa não se dança sozinha.