Faço parte de um grupo que tem sido amplamente falado nestes dias. O dos jovens ultra qualificados, formados em Portugal, que decidem viver fora.

Aliás até estou num dos destinos menos originais. Mas também mais próximos. Em todos os sentidos. E isso não é coincidência.

Reinvoco a minha decisão sempre que analiso o meu recibo de vencimento, 26% mais alto tão simplesmente por desempenhar as minhas funções a 500km de Lisboa. Isto bruto, no que respeita ao líquido, as contas são menos simples, mas tendencialmente (ainda mais) negativas para o lado esquerdo da península.

Leia-se, no meu caso a diferença é apenas de origem geográfica. A minha empresa funciona e contrata em Portugal e nada nos ares de Espanha acresce no meu valor para o desempenho do meu trabalho atual. Não utilizo o português (e nem o espanhol oficialmente) para trabalhar. Não tenho enfoque local. Poderia fazer igual em qualquer outro lado. Não é de todo pessoal.

Mas penso também no meu estatuto de emigrante enquanto provo uma fatia de uma fraquíssima versão local de bolo-rei. Penso nisso quando torço o nariz ao café a saber a queimado. A ignorância é realmente uma sorte em muitos casos. Nunca vão saber o que é um bolo-rei, ou bolo-rainha se forem da minha team, de babar e um café bem tirado. Isso é bom. Mas é mau também. Principalmente para mim.

Sou portuguesa. Aliás sou eborense, em todos os sentidos. Penso em português, sonho em português, só sei dizer o abecedário em português e a minha matemática também funciona bastante melhor com milhares do que com thousands. Nunca vou deixar de me alegrar de ouvir a minha língua, seja aqui, seja numa terrinha perdida no meio do Vietnam e ver anúncios de pastelarias com pastéis de nata em Pequim aqueceu-me o coração.

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Vou envelhecer na minha terra, porque é a única opção que faz sentido.

Mas até lá estou por aí. Mais concretamente por aqui. A valorizar o incrível que somos. A ser constantemente elogiada pela minha formação e o meu (pouco) sotaque para línguas estrangeiras. A formação acima da média que recebi nas universidades de topo do meu país a um preço abaixo da média das outras universidades de topo europeias. E a facilidade para pronunciar qualquer letra ou acento que a ampla carrada de sonoridades estranhas do português permite.

A chorar no supermercado a ouvir a Sara Correia desejar que “da voz nasçam pombas” e embasbacar-me com a absoluta honra que é ler saramago na língua em que a cabeça dele engenhou.

Temos muito. Somos tanto. Deixa-me triste valorizá-lo à distância. E ainda mais triste fico com as minhas expectativas para o que aí vem. As eleições de março não apresentam uma visão de futuro que me dê ânsias de começar a abrir os alertas do idealista que tenho definidos para Portugal aí há uns 4 anos.

E por isso as minhas atitudes de início de ano para 2024 passaram por renovar o contrato de arrendamento do meu apartamento, inscrever-me no ginásio ao lado de casa e pagar o selo de estacionamento anual madrileno (cujo preço pouco difere do da EMEL). Não estou para ir. Vou continuar a olhar pela janela. Portugal vai continuar a ser a (melhor) vista de futuro que se pode ter. À distância.