A Europa está a perder preponderância nas relações internacionais, o que é natural dado o ressurgimento da China e o forte crescimento económico do Sudeste asiático. Já o atraso tecnológico que apresenta face aos EUA e à China é mais preocupante. Se o século XX foi o primeiro não liderado pela Europa desde a globalização iniciada pelos portugueses no século XV, o século XXI será o primeiro desde então não determinado pelo Ocidente.

A relevância da cimeira dos BRICS que teve lugar em Kazan, na Rússia, foi mais um sinal disso mesmo. E no meio das muitas alterações que os EUA estão a viver, a possível vitória de Donald Trump é também, entre muitas outras, uma adaptação dos norte-americanos à forma como lidar com as alterações do equilíbrio de poder no mundo.

O fim da ameaça soviética, em 1991, e a entrada da China na Organização Mundial do Comércio, em 2001, levaram a que os EUA dessem cada vez maior atenção ao que se passa no Extremo-Oriente em detrimento do que sucede na Europa. O raciocínio tinha lógica, pois o continente europeu parecia finalmente arrumado enquanto o ressurgimento da China iria, por certo, mexer as peças na Ásia e no Pacífico. Se a primeira premissa não se concretizou, a segunda não estava completamente certa. Na verdade, a China não veio apenas alterar o equilíbrio na região Ásia-Pacífico, mas também em África, na Europa, na América do Sul e até no interior dos próprios EUA. E mais importante que tudo isso, a China consegue agora levar a Rússia debaixo do braço, uma das maiores alterações no equilíbrio entre as duas maiores potências terrestres e que até há uns anos seria impensável.

Napoleão disse que para se entender um homem temos de conhecer o que se passava no mundo quando ele tinha 20 anos. Ora, o mundo está muito diferente do que era quando a maioria dos dirigentes europeus tinha vinte anos. O que significa que, se levarmos à letra as palavras de Napoleão, a maioria dos governantes europeus está desfasada ou não compreende o mundo actual. Mas o mais importante nem é isso. O mais considerável é que os estados mais prejudicados com a perda de relevância da Europa são os mais ricos, os mais desenvolvidos, os que foram o motor do desenvolvimento económico, político, intelectual, social e cultural da Europa dos últimos 300 anos. Reino Unido, França Alemanha e Europa Central (para incluir aqui a totalidade da região abarcada pelo Sacro Império Romano-Germânico), são os maiores perdedores com uma globalização liderada por Estados não ocidentais. Alemanha e Europa Central porque não foram potências coloniais (ou quando o foram não tiveram relevância), Reino Unido e França porque a sua relação com os demais países fora do contexto europeu partia de uma posição de supremacia total, o que não mais é possível. A título de exemplo, até a relação especial de que o Reino Unido tanto se orgulha de ter com os EUA se parece com o mundo dos nossos vinte anos que não existe mais.

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É precisamente neste ponto que Portugal tem algumas particularidades. A identidade portuguesa (como tão bem refere João Paulo Oliveira e Costa, em “Portugal na História – Uma identidade”) foi-se alterando ao longo dos séculos. Foi ibérica e europeia, atlântica, indo-portuguesa, luso-americana, luso-africana e, desde 1974, novamente europeia. De salientar ainda que o fim do império, que levou Portugal a forcar-se essencialmente na Europa, coincidiu com a chegada de uma forte comunidade vinda dos PALOP’s. Ou seja, se Portugal se afastou do continente africano também deixou de ser a comunidade de uma só etnia que foi desde os finais do século XIX até à década de 70 do século passado. Significa isso que o império acabou, mas a identidade pluricontinental continuou dentro de fronteiras.

Perante o recuo do continente europeu no contexto global, Portugal tem uma vantagem sobre outros estados europeus no que toca a olhar para os demais continentes com a experiência e as lições que aprendeu com o passado. Se a China está em África, se a China tem relações preferenciais na América do Sul, qual é o papel que Portugal, enquanto nação europeia, pode ter nestes dois continentes? Quais são os contributos que Portugal pode acrescentar para que o Ocidente não fique para trás? O que podemos fazer para que o novo equilíbrio não seja desfavorável para a Europa?

Portugal tem uma identidade própria que se foi alterando ao sabor dos tempos. Uma característica pode determinar um novo papel numa longa história perante este novo desafio que é o fim da supremacia ocidental.