“Portugal tem uma política externa” poderia ter sido o título da eloquente palestra do Embaixador Álvaro Mendonça e Moura, Secretário Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na passada sexta-feira em Lisboa. Creio que essa terá sido a sua primeira frase — e foi seguramente a linha de rumo subjacente a toda a intervenção.

Não seria possível resumir aqui a riqueza da exposição. Tendo partido das várias dimensões de Portugal — país europeu e atlântico, com vasta comunidade multicontinental de países de língua portuguesa e inúmeras antigas relações bilaterais — explorou-as com detalhe e sabedoria. Esperamos que o texto venha a estar disponível em breve.

Mas o tema adquire particular relevância porque não se tratou de uma sessão oficial do MNE nem do actual Governo. O anfitrião do evento foi José Manuel Durão Barroso — que foi como se sabe ministro dos Negócios Estrangeiros e primeiro-ministro em governos do maior partido rival ao que actualmente está no Governo. E a instituição de acolhimento da palestra foi uma instituição universitária, vigorosamente independente do Estado e dos partidos políticos (o Centro de Estudos Europeus do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica).

Este pluralismo institucional combina bem com a elegância e solidez da palestra. Álvaro Mendonça e Moura não falou sobre a política externa deste ou daquele governo. Falou sobre os traços permanentes e os interesses permanentes da política externa portuguesa. É certo que estas permanências podem e devem assumir diferentes tonalidades sob diferentes governos. Mas seria sintoma de grave imaturidade democrática se a nossa política externa sofresse ziguezagues abruptos cada vez que muda o governo.

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Esta maturidade da política externa portuguesa é aliás enfaticamente reconhecida no plano internacional. E começa sempre por ser citada a surpreendente capacidade de fazer eleger dois portugueses num prazo tão curto para dois dos mais relevantes cargos internacionais — José Manuel Barroso para Presidente da Comissão Europeia (2004-2014) e António Guterres para Secretário Geral da ONU em 2017. Poder-se-ia aqui seguramente acrescentar Jorge Sampaio como Alto Representante para a Aliança das Civilizações.

Nenhuma destas eleições teria sido possível sem o distintivo mérito pessoal e profissional de cada um dos candidatos. Mas a conjugação de todas elas num espaço de tempo tão curto, e vindas de um país de dimensão apenas média, também não teria sido possível se Portugal não usufruísse de uma excelente reputação internacional.

Nesta excelente reputação foi factor decisivo o sucesso da transição portuguesa à democracia em 1974/75 — que, até ao 25 de Novembro de 1975, parecia altamente improvável. A transição portuguesa passou desde então a ser considerada como inuaguradora da chamada “Terceira Vaga” de democratização mundial, da qual a queda do comunismo soviético a partir de 1989 é definida apenas como “segunda fase”.

Uma das melhores expressões do sucesso da transição democrática portuguesa encontra-se na notável continuidade da nossa carreira diplomática — que sabiamente escapou aos saneamentos tribais após o 25 de Abril. Rege-se por regras gerais e estáveis, não por decisões arbitrárias e imprevisíveis. Possui por isso um espírito de corpo, orgulhoso das suas tradições e capaz de evoluir gradualmente. Os padrões imparciais do mérito têm em regra precedência sobre o favoritismo político-partidário.

Estas são características distintivas das instituições civilizadas. A nossa diplomacia está de parabéns por ter sabido preservá-las.