Nos livros Sapiens e Homo Deus, o autor e historiador israelita Yuval Harari identifica aqueles que são os 3 maiores desafios do mundo atual: o perigo de uma guerra nuclear, o colapso ecológico e a disrupção tecnológica.
Não tendo a intenção de, com este artigo, encontrar soluções para todos estes importantes desafios que a humanidade enfrenta, gostava, no entanto, de me focar na disrupção tecnológica e, mais propriamente, nas principais conclusões do recente relatório publicado pelo Fórum Económico Mundial sobre os Trabalhos do Amanhã, destacando 3 pontos.
O primeiro é a confirmação, mais uma vez, da força dos “tech skills”. Os trabalhos do futuro, exigirão, obrigatoriamente, algum domínio de competências digitais, nomeadamente de competências nas áreas da literacia digital, desenvolvimento web ou design gráfico. Para além disso, a Inteligência Artificial está a entrar em praticamente todos os domínios da nossa vida pessoal e profissional, pelo que profissionais que trabalham, por exemplo, em recursos humanos, vendas ou marketing terão que, no futuro, dominar também esta tecnologia.
O segundo ponto vem confirmar aquilo que já anteriormente tinha sido apresentado no Global Gender Gap Report 2020, também do Fórum Económico Mundial. O fosso económico entre homens e mulheres está a alargar, porque as mulheres estão a ser mais penalizadas pela automação e porque não estão a conseguir aceder a trabalhos altamente especializados em tecnologia. Nas áreas de cloud, engenharia, dados e inteligência artificial, as mulheres representam menos de 30% dos profissionais na área, sendo que em algumas áreas, são praticamente inexistentes. E porque é que isto é importante? Porque a área tecnológica é aquela que tem visto o maior crescimento, aumentos nos salários e criação de riqueza.
E por fim, o relatório fala também da necessidade do “skilling” e do “re-skilling”. Com a natureza do trabalho a mudar tão rapidamente, com trabalhos a serem automatizados a um ritmo cada vez mais acelerado e com uma necessidade crescente de profissionais com competências nas áreas da tecnologia, torna-se urgente uma “Reskilling Revolution”. E dada a dimensão da tarefa (o Fórum Económico Mundial estima que só nos Estados Unidos, serão precisos 34 mil milhões de dólares para requalificar 1,4 milhões de trabalhadores em risco de perder o emprego) teremos que implementar parcerias público-privadas fortes que restaurarem o contrato social e prepararem os trabalhadores para o futuro. E se queremos ser bem sucedidos é importante começar já, com soluções ambiciosas e eficazes.
Na área da qualificação e requalificação, pela intangibilidade das evidências e resultados, proliferam casos de insucesso. Procuram-se soluções fáceis, baratas e que exijam pouco trabalho. Mas talvez aqui possamos aprender com o que correu mal, na formação profissional, em Portugal dos anos 80 e 90. Os modelos das horas de formação teórica, em sala de aula e da certificação de presença, vão ter obrigatoriamente de ser substituídos por modelos que primam pelo conhecimento prático em formato híbrido (online e offline), com profissionais altamente especializados e com certificações que se adequem à realidade do mercado do hoje e do amanhã.
Dentro das suas competências, empresas, fundações, governos, municípios e os próprios trabalhadores, têm que começar já a pilotar soluções. Talvez estas soluções passem por escalar iniciativas como a Academia do Código ou então impulsionar um maior conhecimento sobre Inteligência Artificial, com iniciativas como a do governo finlandês, o Elements of AI. Independentemente disso, é certo que as empresas e os países de maior sucesso no futuro, serão aqueles que consigam fazer esta transição mais rapidamente e a menor custo. E aqui, tal como diz o provérbio chinês, o melhor momento para plantar uma árvore foi há 20 anos atrás, o segundo melhor momento é agora. E é agora, que tem que começar a “Reskilling Revolution”, em Portugal.
Inês Santos Silva é Fundadora e Diretora Executiva da Aliados Consulting e é também fundadora da comunidade Portuguese Women in Tech. Juntou-se ao Global Shapers Lisbon Hub em 2013 e é presença assídua em eventos do Fórum Económico Mundial, tendo já participado nos eventos de Davos (Suíça) e de Tianjin (China).
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.