Aos 31 anos, já sei algumas coisas sobre como a nossa sociedade funciona. E uma das mais importantes, é que existem problemas que são para ser resolvidos e, depois, existem problemas que são para ser continuamente debatidos, usados sucessivamente como bandeira, mas raramente se tomam medidas sérias para os resolver.

Um desses problemas é a igualdade de género. De acordo com o Global Gender Gap Report 2020 do Fórum Económico Mundial, faltam 100 anos para atingirmos a igualdade entre os géneros. Tem sido feito um enorme progresso na área da educação e na política, mas existe uma área que tem estado a regredir: a área económica. O fosso económico entre homens e mulheres tem aumentado e este aumento deve-se a três razões principais: as mulheres têm uma maior representação nas funções que estão a ser mais rapidamente automatizadas; continuam a não conseguir aceder ao capital necessário para a criação de negócios; e não existe um número suficiente de mulheres a trabalhar na área tecnológica, área de maior crescimento salarial e maior criação de riqueza.

Especificamente neste último ponto e focando na realidade portuguesa, os números são aterradores. Segundo dados do Eurostat, em Portugal, as mulheres representam apenas 12% dos inscritos em cursos de TI. Também, segundo o Eurostat, apenas 14,4% dos profissionais em TI são mulheres, valor abaixo da média europeia.

Este números mostram que o problema não está a desaparecer, mas sim, que se irá agravar nos próximos anos. Desta forma, as mudanças têm que começar já e as ações têm que começar nos anos formativos das nossas crianças. Não basta fazer iniciativas quando as estudantes têm 15, 16 ou 17 anos. Este trabalho tem que ser feito quando elas têm 5 ou 6 anos, porque, segundo o estudo “Gender stereotypes about intellectual ability emerge early and influence children’s interests”, publicado na revista Science em 2017, os estereótipos de género sobre a capacidade intelectual influenciam os interesses e as escolhas profissionais das crianças a partir dos 6 anos.  Especificamente, meninas de 6 anos têm menos probabilidade do que meninos com a mesma idade de acreditar que membros de seu género são “muito, muito inteligentes” (48% nelas e 65% neles). Também aos 6 anos, as meninas começam a evitar atividades que dizem ser para crianças que são “muito, muito inteligentes”.

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Não basta partilharmos com as nossas meninas as histórias da Bela Adormecida, da Branca de Neve ou da Gata Borralheira. Temos que incluir as histórias de mulheres como Marie Curie, Ada Lovelace, Grace Hopper, Katherine Johnson, Valentina Tereshkova, Maria Amélia Chaves e Carolina Beatriz Ângelo. E temos que mostrar exemplos de sucesso de mulheres em tecnologia, dos dias de hoje, para mostrar que esta área pode ser uma excelente oportunidade de carreira e de construção de um futuro brilhante.

Aqui, organizações como as Portuguese Women in Tech, Geek Girls Portugal, Girls in Tech ou Women2Women Portugal, e iniciativas como a Engenheiras por um Dia, têm aqui um papel importante a desempenhar, mas ainda assim, não é suficiente.

Na semana passada, o mundo perdeu uma das mulheres que mais contribuiu para a igualdade entre géneros, Ruth Bader Ginsburg. Infelizmente, o trabalho dela está longe de estar terminado e cabe a cada um de nós continuar o seu legado.

Inês Santos Silva tem 31 anos, é Diretora Executiva da Aliados Consulting e co-fundadora da comunidade Portuguese Women in Tech. Juntou-se ao Global Shapers Lisbon Hub, em 2013.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.