Portugal é o 5º país mais envelhecido da Europa. Temos já cerca de 2 milhões de pessoas acima dos 65 anos, em que se incluem quase 3000 centenários. Esta realidade do aumento da nossa longevidade, que representa não um problema mas uma verdadeira conquista, impõe desafios, aos quais infelizmente, como colectivo, tardamos em conseguir responder, e que abordámos já em artigo anterior. Conseguimos acrescentar anos à vida mas sabemos que muitos deles são vividos com menor qualidade. Vivemos mais tempo, mas também padecemos de mais doenças crónicas e progressivas.
Infelizmente, continuamos a não assistir a melhorias significativas quer ao nível da implementação de programas de envelhecimento activo, quer das respostas especificas de saúde e apoio social para este numeroso grupo de cidadãos. O panorama no país é deficitário, com imensos os factos preocupantes: listas de espera significativas nas Unidades de Cuidados Continuados, Paliativos e lares – todos em número insuficiente! -, falta de acesso a cuidados de saúde e de apoio social para doentes crónicos e mais vulneráveis, falta apoio na comunidade e aos cuidadores informais. Vemos consequentemente níveis de depressão elevados nos idosos, que experimentam solidão, desesperança e perda de sentido da vida, e que temem ser um fardo para terceiros.
Falta planeamento, financiamento e efectiva prioridade política, falta inovação e alocação de recursos humanos suficientes e devidamente preparados, falta exigência da sociedade para com os decisores e governantes, nesta como noutras matérias.
Mas ao falar de envelhecimento, não podemos, de forma lúcida e responsável, deixar de encarar um facto ineludível da vida, a nossa mortalidade e o período de fim de vida (os últimos 12 meses de vida).
Sobre estas questões, optamos maioritariamente por fazer como a avestruz, tentando não falar ou não pensar no assunto para assim, de uma forma infantil e primária, acreditar que não nos vai acontecer. Com isso, com muitos medos, desconhecimento e preconceitos, não nos preparamos para uma inevitabilidade. Dessa forma, vivemos muito pior um tempo que pode ser, se devidamente apoiado, não de sofrimento mas até de crescimento e realização pessoal.
Falar do fim de vida e da morte continua a ser o maior tabu, num tempo em que se clama que eles não devem existir. É avisado, sábio e corajoso preparar uma inevitabilidade, algo que, quer queiramos, quer não, vai suceder. É da natureza da vida.
De acordo com um estudo de 2023 da OCDE (Better caring at the end of life), a maior parte (mais de 90%) dos cidadãos europeus não morre de forma súbita mas sim na sequencia de doenças crónicas e progressivas (demências, cancros, acidentes vasculares cerebrais, insuficiências cardíaca e de outros órgãos). O que essa evidencia nos mostra é que os cidadãos, nomeadamente os idosos, preparam de forma deficitária o seu final de vida, não conversam sobre o tipo de cuidados que desejam ou não receber e participam de forma deficiente naquilo que são decisões sobre a sua própria condição.
Confunde-se ainda a realização de um testamento vital – e infelizmente no nosso país eles não vão além dos 34000! – com a planificação antecipada de cuidados (PAC), uma reflexão desejável e que pressupõe a antecipação de alguns cenários e a discussão partilhada e esclarecida sobre opções de tratamento, mas não obrigatoriamente a formulação de qualquer documento.
A PAC, que é um processo voluntário baseado nos valores e crenças pessoais, genericamente abrange a área do planeamento pessoal, jurídico, financeiro mas também clínico. Em termos de Saúde, corresponde a um processo em que os indivíduos com capacidade de decisão podem discutir com os clínicos e os mais próximos as preferências de tratamentos em caso de eventual doença grave ou incapacitante futura. Neste processo, sempre em evolução, há obrigatoriamente lugar para a actualização das vontades do paciente.
Mais de metade dos portugueses desejariam passar os seus últimos tempos de vida em casa, mas verificamos que é no hospital que quase 60% vêm a falecer, com dezenas de milhar sem acesso a Cuidados Paliativos. É nos últimos meses de vida que disparam as despesas com a saúde, com a oferta de um padrão de cuidados clínicos desajustado das reais necessidades dos doentes, com frequência agressivos e onerosos, não necessariamente dirigidos ao conforto e tantas vezes causadores de mais sofrimento (obstinação terapêutica).
Existem reconhecidos benefícios em ajudar os nossos concidadãos idosos e com doenças crónicas a viver melhor os seus últimos anos de vida. E também existem os meios para o fazer. Teremos, no entanto, que promover maior acesso a cuidados clínicos centrados no conforto e não optando pela obstinação terapêutica, tantas vezes tida como primeira opção. Temos antes que fazer um investimento sério em políticas alargadas de cuidados promotores da Dignidade e da busca de sentido, facilitadores da concretização de esperanças realistas e que incluam o apoio efectivo aos cuidadores.
Vale a pena deixar aqui alguns reptos e pistas de reflexão: já conversou com os seus próximos sobre quais são as suas “linhas vermelhas” nos tratamentos caso possa ter uma doença grave e irreversível? Já pensou no que é relevante para si concretizar no seu tempo de vida? E que legado pretende deixar aqueles que o estimam, à sociedade? Abordar serenamente estes tópicos não nos trará maior prejuízo, antes a serenidade de podermos afirmar a nossa autonomia e os nossos valores, na esperança convicta de que serão tidos em conta na hora certa.
Precisamos, em matéria de envelhecimento, de adquirir novos olhares e de passar das promessas aos actos, a começar pela promoção do envelhecimento activo. Mas necessariamente também na forma como esperamos que a sociedade nos ajude a encontrar um sentido, muito para além de uma visão utilitarista redutora, mais centrados no nosso Valor, no Valor da Vida, na promoção da Dignidade e no ajudar a viver para além da doença crónica.
Nas palavras sábias e belas de Tolentino de Mendonça: “Não se envelhece para morrer, envelhecemos para nos saciarmos da vida.”
Precisamos ser ousados e fazer o difícil, derrubar o tabu em torno da nossa mortalidade; precisamos discutir e preparar o nosso fim de vida, para vivermos melhor um tempo que pode ser longo, intenso e valioso. Isso sim, seria um avanço civilizacional.