Nas últimas décadas assistimos a avanços incontornáveis na medicina e nas condições de vida que resultaram em melhorias significativas do estado de saúde da população. A generalidade dos países conta hoje com uma maior esperança média de vida. No entanto, as doenças não transmissíveis ainda têm um peso muito elevado nas principais causas de morte e na morbilidade [complicações devido a doença] mundiais. No caso de Portugal, é de salientar que a esperança média de vida é atualmente superior à registada na União Europeia, mas não acompanhamos a média europeia em termos de anos de vida com qualidade acima dos 65 anos.

Dados da Comissão Europeia indicam que cerca de um terço das mortes registadas podem ser atribuídas a fatores socio-comportamentais. A prevenção e a promoção são o caminho para continuarmos a construir uma sociedade com mais saúde e mais sustentável, e essa tem sido uma prioridade para a Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP NOVA).

Das alterações climáticas, aos estilos de vida menos saudáveis, passando pelo aumento significativo da carga de doença crónica, e em populações cada vez mais jovens, são várias as mudanças que requerem respostas inovadoras e adaptadas às necessidades presentes e futuras. A urgência de um novo paradigma, que proteja e promova a saúde das populações e que encontre na Saúde Pública um eixo cimeiro para o sucesso deste caminho, é corroborada por vários indicadores.

Os dados publicados em maio pelo Instituto Nacional de Estatística sobre as causas de morte de 2022 reforçam a necessidade de ação, em especial nas patologias a que se dedica o projeto Arterial: as doenças do aparelho circulatório continuam a ser a principal causa de morte no nosso país. Só as doenças cerebrovasculares (AVC) representaram 9616 óbitos, isto é, 7,7% do total de óbitos de entre os residentes em Portugal.

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Para termos um sistema de saúde sustentável precisamos de um foco na saúde e de manter os cidadãos mais saudáveis ao longo do seu ciclo de vida, o que implica o envolvimento de outros setores que, direta ou indiretamente, impactam na saúde. O sucesso está na intersetorialidade e no reforço do trabalho conjunto, por exemplo com o poder local e governamental, entidades públicas e privadas, sociedade civil, e envolvendo áreas como o trabalho, urbanismo, ambiente, educação, social e cultura.

Os sistemas de saúde precisam de uma transformação em termos de organização e gestão que permita evoluir de um modelo meramente curativo e focado na doença para um modelo em que a saúde esteja no centro, com uma nova geração de políticas públicas.

O futuro na prevenção, gestão e tratamento das doenças cérebro-cardiovasculares começa na prevenção da doença e promoção da saúde através do fortalecimento de ações de promoção de literacia em saúde e envolvimento efetivo da pessoa no seu plano de saúde e cuidados.

Em termos de cuidados de saúde, a estratégia não pode deixar de ser a de termos uma gestão integrada e centrada na pessoa com o robustecimento da gestão dos serviços de saúde focados na qualidade dos cuidados e na experiência do utente. Esta centralidade no cidadão deve promover um diagnóstico mais precoce e uma melhor gestão da doença nos vários estádios, possibilitando uma circulação facilitada entre os vários níveis de cuidados.

Para as situações em que não foi possível evitar a doença, é importante que não percamos de vista os ganhos que uma reabilitação precoce e contínua pode ter para a pessoa, a sua família e a sociedade, pelo que a resposta integrada passa também por programas de reabilitação após eventos, visando a recuperação e a promoção da qualidade de vida dos utentes.

Muitas destas medidas fazem parte das recomendações que integram o White Paper “Leading the Way to a Healthy Future”, um documento recentemente apresentado e coordenado pela ENSP NOVA [de acesso livre e disponível online], que envolveu mais de 80 parceiros e peritos nacionais e internacionais, e que pretende ser uma ferramenta prática para apoiar os decisores no desenvolvimento e implementação de políticas que nos permitirão alcançar os resultados desejados.

Estamos também envolvidos em vários projetos, sendo que no contexto deste artigo destacaria o projeto internacional JACARDI, uma ação conjunta de 21 países para a redução da carga de doenças cardiovasculares e diabetes na Europa, financiado pelo programa EU4Health. Neste projeto estamos a apoiar a implementação de diversos projetos-piloto em toda a Europa para desenvolver a literacia em saúde, e melhorar o rastreio e a prevenção primária entre as populações em elevado risco. Já no projeto Concordia Insuficiência Cardíaca estamos a avaliar as principais preocupações das pessoas com insuficiência cardíaca na gestão da doença, certos de que os cuidados centrados na pessoa geram melhores resultados e mais satisfação.

A ENSP NOVA tem sido parte da solução e quer continuar a ser uma parceira ativa na construção de um futuro mais saudável e sustentável. Há mais de 50 anos que formamos as novas gerações de profissionais e lideranças na saúde com um foco muito claro na qualidade científica e indo ao encontro das mudanças sociais de que precisamos. A boa evidência é a base de decisões mais informadas e mais ágeis e a academia é fundamental na construção deste apoio.

Sónia Dias é diretora e professora catedrática da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa. Doutorada em Saúde Internacional, desenvolve a sua atividade científica na promoção da saúde, prevenção da doença e ciências socio-comportamentais. É coautora de mais de 150 artigos, vários capítulos e livros. Atua como perita em várias organizações internacionais.