Vamos entrar no ano em que Angela Merkel vai deixar de liderar a Alemanha (e a União), em que pela primeira vez desde 1958 o projecto europeu perde um dos seus membros, o Reino Unido, e em que vamos começar a perceber as heranças da pandemia, as feridas que deixou mas também os efeitos do salto tecnológico que gerou no trabalho e na medicina.

Se tudo correr bem, poderemos entrar algures em 2021 no ambiente eufórico de uma pós-pandemia, como aconteceu nos loucos anos 20 do século XX, após a primeira guerra mundial e a gripe “espanhola”.  Mas, nesta altura em que mudamos de ano, o nevoeiro é ainda muito denso e não nos permite perceber se estamos já no fim da pandemia ou apenas no princípio do princípio do fim. Ou a entrar num novo túnel.

A evolução da pandemia continua a ser o factor determinante do que nos vai acontecer em 2021. A praga que se abateu sobre o mundo em 2020 ainda nos pode surpreender, quer por via das mutações do vírus, quer pela incerteza que ainda existe sobre a eficácia das vacinas. Tentemos, pelo menos, entrar em 21 preparados para o pior para conseguirmos suportar melhor a dor e as feridas que a pandemia nos tem provocado. Eis o que podem ser as piores previsões para 2021.

1 A pandemia agrava-se, a nova estirpe é resistente às vacinas já descobertas. O risco pode ser classificado como médio baixo. É o pior dos cenários, admitindo que não enfrentaremos mais nenhuma catástrofe ambiental a curto prazo. Para já, os cientistas parecem confiantes no poder das vacinas já no mercado, nomeadamente da Pfyzer/BioNTech e da Moderna. Estão a fazer testes, mas as opiniões dos cientistas vão no sentido de considerar que as mutações, até agora verificadas, não resistem à vacina. Coloca-se é, cada vez como mais provável, a necessidade de sermos vacinados todos os anos, com o fármaco a adaptar-se às novas estirpes, um pouco como acontece com a vacina da gripe. Se os cientistas estiverem certos, o cenário de agravamento da pandemia por causa das mutações é de baixa probabilidade, embora, obviamente, não nula. Resta o que em parte está nas mãos das farmacêuticas e dos governos.

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2 A vacinação atrasa-se fundamentalmente em Portugal. É um risco que temos de considerar como elevado. Em termos europeus, o risco é registar-se escassez de vacinas, não se conseguindo cumprir o plano por problemas na produção ou distribuição. Em Portugal existem riscos específicos que levam a uma maior preocupação com este cenário: temos problemas estruturais de organização; as medidas de combate à pandemia foram adoptadas com atraso na segunda vaga; houve medidas que não funcionaram como por exemplo a aplicação StayawayCovid; estão entregues aos médicos e enfermeiros tarefas administrativas que não deviam ter e o Serviço Nacional de Saúde enfrenta vários problemas, entre eles a ausência de cobertura global com muitas pessoas sem médico de família. Só para citar alguns problemas.

Se não estivermos sincronizados com os restantes países, com quem temos relações mais estreitas, com especial relevo para a Europa, corremos um risco muito sério de agravar a nossa crise. Se nos atrasarmos a sair da crise pandémica, a economia não recupera e a nossa dívida pode começar a preocupar quem nos empresta dinheiro. E a crise económica dará lugar a uma crise financeira, com as dificuldades de acesso aos mercados financeiros a ditarem um novo pesadelo semelhante ao de 2011. Somos muito frágeis financeiramente e não nos podemos dar ao luxo de cometer erros no combate à pandemia. Esperemos que tudo corra pelo melhor para que o Verão possa já ser de recuperação do turismo.

3 Os espectáculos e os turistas não regressam, o Verão ainda não se aproxima do normal. Risco médio para o alto. Mesmo com a eficácia da vacina e tudo a correr bem no calendário de vacinação em Portugal e nos restantes países europeus, há uma probabilidade elevada de o Verão ainda não ser normal. Sendo pouco provável que já exista, na altura, imunidade de grupo, será necessário manter todos os cuidados que marcaram 2020, nomeadamente o distanciamento físico e a máscara. Os efeitos mais graves serão sobre o sector da cultura. Embora se fale muito dos restaurantes e hotéis, é no domínio da cultura, designadamente das festas e espectáculos, que os efeitos da pandemia estão já a ser gravíssimos. Sendo uma área marcada por trabalho por conta própria sem apoios, viveram já praticamente todo o ano de 2020 sem actividade – o que significa sem rendimento. Não houve festas de Verão e os concertos estão reduzidos ao mínimo. É um problema gravíssimo que, espera-se, seja minorado com o apoio extraordinário aprovado no Orçamento para 2021.

No caso do turismo, as previsões das organizações internacionais são de um regresso das viagens de lazer, mas tal pode não acontecer em 2021. Será muito importante a confiança gerada pela vacinação em Portugal e, mais ainda, que o número de infectados tenha descido de forma consistente até às férias para que se possa aproveitar ao máximo os movimentos turísticos que ainda poderão ser reduzidos em 2021. Caso contrário veremos mais negócios a morrer depois de terem sobrevivido a 2020.

4 A execução dos projectos financiado pela União Europeia atrasam-se. Risco médio baixo. Não dependendo apenas de Portugal, é um elemento fundamental para dinamizar a economia. No que depender de Portugal, o cenário mais grave é o de não conseguirmos investir com os recursos já desbloqueados, ou seja, ter o dinheiro e nada fazer com ele. Boa parte dos recursos do  Plano de Resiliência e Recuperação têm como destino, directa ou indirectamente, o sector público (ver por exemplo aqui). A burocracia, que é a marca das decisões no Estado, pode ser um factor de atraso na operacionalização dos projectos. Mais uma vez, se isso vier a acontecer, atrasará a recuperação e, por via disso, cria o risco de não acompanharmos o ritmo da recuperação europeia. A dessincronização com os restantes países europeus, como já foi referido, expõe Portugal a um elevado risco por causa da sua fragilidade financeira.

5 Falta trabalho, pobreza e desigualdades agravam-se. Risco médio alto. A pandemia revela-se mais difícil de controlar mesmo com as vacinas ou Portugal afasta-se do ritmo europeu de recuperação: estes são dois elementos que agravarão o desemprego, a pobreza e a desigualdade. É difícil nesta fase perceber até onde estão a chegar as diversas medidas de apoio financeiro que estão a ser criadas e não sabemos ainda como vai funcionar o novo apoio extraordinário ao rendimento. Sabemos sim que os nossos apoios sociais já eram pouco eficientes antes da pandemia e conhecemos as queixas do sector da restauração e hotelaria. Se 2021 não for já um ano de recuperação, poderemos assistir a um agravamento inédito da pobreza e da desigualdade, com a classe média a ser seriamente afectada. Um cenário que alimentará a revolta contra o regime.

6 Movimentos de revolta nas ruas ou através do voto. Risco não negligenciável que será função da eficácia do combate à pandemia, dos apoios e da recuperação. A acentuada subida dos movimentos e partidos populistas pode ganhar um novo ritmo se 2021 ainda não for o ano em que se sente a recuperação ou se existirem eventos que criem sentimentos graves de injustiça. Junte-se ainda a estes dois factores a incapacidade que boa parte da classe política em Portugal está a ter em compreender e a aproximar-se das pessoas que aderem aos movimentos populistas.

Os efeitos da crise na classe média, especialmente nos pequenos negócios, reúnem condições para gerar uma revolta mais ou menos silenciosa, especialmente grave se assistirmos a eventos que gerem sentimentos de injustiça. Serão, por isso, especialmente importantes sucessos nos apoios ao rendimento e no plano de vacinação. Caso os apoios não cheguem às pessoas ou, chegando a alguns, se fique com a ideia de que há uns mais iguais do que outros, lançando-se suspeitas de discriminação, ou porque se pertence ao partido do poder ou porque se está integrado na elite urbana, corremos um risco muito sério de se agravar a divisão que já se desenha entre a população mais e menos urbana. Critérios transparentes, fáceis de compreender e apreendidos como justos do plano de vacinação são igualmente fundamentais para não alimentar o sentimento de divisão entre os “eles” que conseguem tudo e o “nós” que estamos para aqui abandonados.

7 Orçamento para 2022 não é aprovado, eleições à vista? Teremos já o Presidente eleito e entre Setembro e Outubro estão agendadas as eleições autárquicas. A proposta de Orçamento do Estado para 22 será votada depois de fechado o calendário eleitoral de 2021. Os resultados das autárquicas poderão ser importantes para a votação do Orçamento, especialmente por parte do PCP, nas mãos do qual já ficou o Orçamento de 2021. A par do resultado das autárquicas será obviamente importante a fase do ciclo económica em que estaremos na altura, tudo dependendo, mais uma vez da evolução da pandemia, da eficácia e sucesso da vacinação e da capacidade do Governo operacionalizar alguns dos projectos de investimento previstos no Plano de Resiliência e Recuperação.  É provável que estejamos já a falar de recuperação económica em Outubro de 21, mas a maior parte das pessoas que perderam o emprego não terão encontrado ainda um novo trabalho. Tudo isto será assim se nos conseguirmos manter colados à evolução da economia europeia. Caso contrário estaremos em muito maus lençóis, a preparar um Orçamento de austeridade por falta de quem nos financie a dívida.

Para concluir, todos desejamos que o ano da praga desapareça em 2021, que o novo ano nos faça esquecer a dor e a tristeza de 2020. Mas nesta passagem do ano ainda estamos num caminho com bifurcações que nos podem colocar outra vez dentro de um túnel. Feliz ano Novo e que as previsões pessimistas não se confirmem ou, pior ainda, sejam ainda mais negras.