Há duas maneiras de entender este título: uma, lendo nas entrelinhas e nos parênteses, a outra lendo-o mas sem eles. Irão notar que as conclusões são profundamente díspares.

Do mesmo modo, a revisão constitucional tem semelhante leitura e conotação: uma benigna e que pretende alargar o conjunto de garantias dos cidadãos, referida por quem a propõe, a outra mais sub-reptícia e velada, uma antecâmara para o desconhecido ou, o que é pior, para um regime bem conhecido e que, estou em querer, quase ninguém quer revisitar – uma ditadura – onde autoridades legitimadas por uma certa autoridade científica poderão impor, de forma tecnocrática, a seu bel-prazer e a coberto de uma condição atípica, as restrições que considerarem mais convenientes para promover a segurança pública, numa perigosa semelhança àquilo que se passou nos regimes da Alemanha Nazi.

Para aqueles que consideram que estou a exagerar relembro que esse regime, suas prerrogativas e todas as atrocidades que viriam a ser feitas a partir de Dachau, não poderiam ter ocorrido sem uma céle(b)re revisão de constituição que conferiu plenos poderes a Hitler e seu regime, sob a desculpa de um regime de excepção depois do suposto incêndio do Reichstag, perpetrado e atribuído errónea e convenientemente ao Partido Comunista Alemão. Este episódio, sabe-se hoje, orquestrado por membros proeminentes do partido, culminaria com a prisão compulsória de milhares de pessoas logo nos primeiros dois dias, (tornando-os presos políticos e pessoas a quem foi dada a categoria de infra-humanas), e que logo depois grande parte delas seriam sujeitas a execuções sumárias para proteger o interesse da Nação.

Também aqui, e ressalvando as devidas proporções, é ensaiado um regime de excepção, onde, mediante certas circunstâncias, é permitido prender ou coibir contra a sua vontade cidadãos que manifestamente estejam doentes, ou até mesmo segregá-los do resto da comunidade, por tempo indeterminado, sem que sobre eles recaia uma verdadeira decisão judicial, a não ser algo meramente administrativo e, dado a forma vaga como ambos os textos destas alíneas, nas propostas  de PS e PSD, definem esta condição, preocupantemente arbitrária.

Nesta nova articulação e entendimento do regime de excepção, as pessoas passam a ser entendidas como um perigo público e por isso não será despiciendo verificar que os seus direitos ficarão suspensos até que a sua condição mude, direitos esses que as protegem do poder do estado sobre si e as suas famílias.

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O desfecho disso e as consequências não são tão imprevisíveis ou inimagináveis como possamos pensar, e já tivemos inclusive um vislumbre nos nossos dias daquilo que um tal regime de excepção poderá permitir fazer, desde segregações a isolamentos forçados, prisões em centros de quarentena, passando até por agressões por parte de autoridades demasiadamente zelosas das suas funções e imbuídas num espírito de paranoia.

A lista é extensa e inclusive já assistimos à sua execução em países em que as liberdades dos cidadãos não estão tão blindadas como o nosso.

Temo-lo visto em países tão diversos como a China, Canadá, Itália e espantosamente na Austrália.

Em suma, esta não é apenas mais uma qualquer revisão à Constituição a que não devamos olhar com extrema preocupação. É o passar ao papel uma justificação para executar um estado “intermitentemente democrático”, instaurando medidas avulso sem uma clara delimitação de fronteira, que possa salvaguardar todos os direitos fundamentais. Se assim não fosse porque seria necessário um (pre)texto tão elaborado, rocambolesco e apressado para redefinir situações bem mais graves do que aquelas que já mereceram inclusive o parecer negativo por parte do Tribunal Constitucional?

Fica a pergunta.