O celibato sacerdotal sempre foi polémico, mas talvez nunca como agora se tenha questionado tanto o seu fundamento e conveniência. Já por ocasião do Concílio Vaticano II se discutiu muito, não só entre os padres conciliares, mas também na opinião pública, o celibato eclesiástico.

A essas questões quis responder, em 1967, o então Papa Paulo VI, entretanto canonizado. A sua Carta Encíclica sobre o Celibato Sacerdotal continua a ser um texto de referência sobre esta matéria. Nesta entrevista ‘virtual’, bem como nas duas seguintes, todas as respostas e textos entre aspas são, literalmente, de São Paulo VI, com uma única alteração: o plural majestático, com que o Papa se citava a si próprio, foi convertido na primeira pessoa do singular, como é praxe dos mais actuais textos pontifícios (o número, entre parênteses, depois de cada citação, refere-se ao texto da dita Encíclica).

– A que perguntas Vossa Santidade procurou responder na Carta Encíclica Sacerdotalis Caelibatus, de 1967?

– “Confesso, na verdade, que esta importante questão do sagrado celibato do clero na Igreja, pela sua amplitude e gravidade, ocupou a minha atenção durante longo tempo. Deverão obrigar-se, hoje ainda – assim perguntava a mim próprio – a este severo e nobilitante compromisso aqueles que desejam ascender às ordens maiores? O cumprimento desta obrigação será hoje possível e conveniente? Não terá chegado o tempo de dissolver o vínculo que, na Igreja, une o celibato ao sacerdócio? Porque não tornar antes facultativa a observância desta dificultosa lei? O ministério sacerdotal não ficaria depois favorecido, e não seria mais fácil a aproximação a nós dos não católicos? E se a nobre lei do sagrado celibato deve ser observada mesmo para o futuro, com que razões podemos demonstrar hoje que ela é santa e oportuna? E de que maneira a mesma lei deve ser observada, e convertida de peso em ajuda da vida sacerdotal?” (nº 3).

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– E como respondeu a tantas e tão pertinentes objecções ao celibato sacerdotal?

– “Este coro de objecções parece sufocar a voz secular e solene dos Padres da Igreja, dos mestres espirituais, do testemunho vivido de uma legião inumerável de santos e fiéis ministros de Deus, que fizeram do celibato a realidade íntima e o sinal visível da sua doação total e alegre ao mistério de Cristo” (nº 13).

– Mesmo que, no passado, tenha havido tão bons exemplos – “uma legião inumerável de santos e fiéis ministros de Deus” – não é verdade que, actualmente, esta exigência parece não só desnecessária como até nociva?

– “Não, esta voz é ainda hoje forte e serena; não vem apenas do passado, mas também do presente. Sempre atento a perscrutar a verdade, não posso fechar os olhos perante esta magnífica e surpreendente realidade: há hoje ainda na santa Igreja de Deus, em toda a parte do mundo onde ela se implantou, inumeráveis ministros sagrados – subdiáconos, diáconos, presbíteros e bispos – que vivem em toda a pureza o celibato voluntário e consagrado” (nº 13).

– Mas, seguramente, só optaram pelo celibato porque assim lhes foi exigido, como condição sine qua non para a ordenação sacerdotal. De facto, não abundam as pessoas que optam, livremente, por não casar …

– “Não posso deixar de contemplar a multidão imensa de religiosos, religiosas e ainda de jovens, e de leigos, todos fiéis ao compromisso de castidade perfeita, vivida, não por desprezo do dom divino da vida, mas por um amor mais alto à vida nova que jorra do mistério pascal, vivida com corajosa austeridade, com alegre espiritualidade, com integridade exemplar e ainda com relativa facilidade. Este fenómeno impressionante documenta uma singular realidade do reino de Deus que vive no seio da sociedade moderna, à qual presta humilde e benéfico serviço de ‘luz do mundo’ e ‘sal da terra’; não posso calar a minha admiração: indiscutivelmente, aí sopra o Espírito de Cristo.” (nº 13).

– Vossa Santidade reconheceu que “o Novo Testamento, onde está contida a doutrina de Cristo e dos Apóstolos, não exige o celibato dos ministros sagrados, mas antes o propõe como livre obediência a uma vocação especial de Deus, ou a um carisma especial” (nº 5). Assim sendo, como justificar, em termos teológicos, a obrigação do celibato sacerdotal, que não é exigido pela Bíblia?!

– “Cristo, Filho único de Deus, pela incarnação foi constituído Medianeiro entre o Céu e a terra, entre o Pai e o género humano. De harmonia com esta missão, Cristo permaneceu, durante toda a sua vida, no estado de virgindade, que significa a sua total dedicação ao serviço de Deus e dos homens. Este laço profundo entre a virgindade e o sacerdócio em Cristo, repercute-se naqueles a quem foi dado a participar na dignidade e na missão do Medianeiro e Sacerdote eterno, e esta participação será tanto mais perfeita quanto mais o ministro sagrado estiver livre dos vínculos da carne e do sangue.” (nº 21).

– Vossa Santidade também afirmou que, “nem a escolha que Jesus Cristo fez dos Doze Apóstolos foi condicionada pelo celibato; nem os Apóstolos escolheram, para reger as primeiras comunidades cristãs, somente celibatários” (nº 5). Com efeito, houve apóstolos casados pois, pelo menos Pedro, teve sogra, a quem Jesus curou…

– “Jesus, que escolheu os primeiros ministros da salvação, e os quis iniciados no conhecimento dos mistérios do reino dos céus, cooperadores de Deus a um título muito especial, e seus embaixadores, e lhes chamou amigos e irmãos, pelos quais se consagrou a si mesmo para que eles fossem consagrados na verdade, prometeu abundante recompensa a todos aqueles que deixassem a casa, a família, a mulher e os filhos por causa do reino de Deus. E além disso, com palavras densas de mistério e de promessas, recomendou também uma consagração ainda mais perfeita ao reino dos céus pela virgindade, como consequência de um dom especial. A resposta a este divino carisma tem como motivo o reino dos céus; e é, igualmente, este reino, o Evangelho, e o nome de Cristo, que motivam os apelos de Jesus às árduas renúncias apostólicas para uma participação mais íntima no seu destino” (nº 22).