No dia 8 de setembro de 2022, o código “The London Bridge is down” dá início a um dos mais complexos programas protocolares. A morte da Rainha Isabel II e as respetivas cerimónias fúnebres recordam ao mundo a importância do protocolo do Estado e a forma como esta ferramenta se revela imprescindível para o bom funcionamento das instituições e, também, para a segurança dos próprios Estados.
Em 2017, escrevi um artigo, em coautoria com o Dr. Pedro Folgado, sobre protocolo e segurança. O grande objetivo era reafirmar a relação entre estas duas áreas tão ligadas e interdependentes. Concluímos que a segurança dos eventos depende muito da organização detalhada do alinhamento protocolar e que, por outro lado, é o rigor do protocolo que contribui para o sucesso dos programas de segurança. Neste caso quanto maior e mais importante é o evento, maior é a responsabilidade em matérias de segurança e ordem. As exéquias de um chefe de Estado são um exemplo maior desta imprescindível articulação entre protocolo e segurança tendo em conta que estamos perante uma dupla dimensão da segurança: interna e externa.
Foi perante esta inevitável relação entre segurança e protocolo que designámos a matriz conceptual do protocolo do Estado destacando três ações fundamentais:
“1) A previsibilidade dos atos- referindo-se à prévia determinação e conhecimento dos atos a ocorrerem no decurso de um determinado processo. Em modo prático, significa que num determinado evento ou acontecimento é possível aos intervenientes saberem previamente que passos serão dados e que ações serão desenvolvidas. É também um princípio jurídico relacionado com a segurança jurídica, no sentido de que o Estado se comportará sempre de acordo com o normativo jurídico em vigor.
2) Antecipação de constrangimentos: significa a capacidade de prever atempadamente as circunstâncias e momentos em que a probabilidade de ocorrência de dificuldades é maior, permitindo que se encontrem soluções e eventualmente vias alternativas para ultrapassar situações críticas.
3) O Afastamento dos conflitos: neste contexto, diz respeito à capacidade de manter distantes os eventuais focos de divergência, minimizando os seus potenciais efeitos nefastos. Em matérias de Estado, o afastamento dos conflitos é uma ferramenta ao serviço da ação diplomática.”[1]
Esta matriz do protocolo incide na proteção dos constituintes do Estado: território, população e instituições. Para tal é necessário articular três dimensões: a obediência, a ordem e a segurança. São estes os três constituintes do triângulo virtuoso do protocolo do Estado. Interdependentes e relacionais, estes conceitos (obediência, ordem e segurança) legitimam o procedimento protocolar e possibilitam a eficácia das diligencias em matérias de segurança.
O protocolo do Estado é uma disciplina normativa, baseada em leis e regras que descrevem procedimentos cerimoniais e diplomáticos. Em Portugal a Lei das Precedências do Protocolo do Estado Português, (Lei nº40/2006, de 25 de agosto) e o Decreto-Lei n.º 150/87, de 30 de Março sobre as regras que envolvem o uso da Bandeira Nacional são exemplos deste compromisso normativo do Protocolo. Do ponto de vista das relações internacionais, o protocolo diplomático tem, também, um papel fundamental, e uma responsabilidade cada vez maior, constituindo um importante instrumento da diplomacia e uma verdadeira ferramenta para o afastamento e resolução de conflitos.
As cerimónias protocolares, dotadas de rigor absoluto de tempos e procedimentos conferem dignidade e solenidade aos eventos oficiais e proporcionam uma relação funcional com as equipas de segurança. Assim, o rigor do protocolo diminui os níveis de risco e aumenta também a perceção de segurança dos eventos através da materialização de condições estáveis e previsíveis. No Reino Unido, as grandes multidões que prestam a última homenagem à sua soberana atendem e cumprem melhor as regras de segurança tendo em conta a dimensão da obediência do protocolo do Estado. A compreensão da necessária dignidade dos atos cerimoniais favorece a obediência voluntária e proporciona uma melhor gestão pelos agentes e equipas de segurança.
Em regimes monárquicos, os símbolos e o cerimonial são muito vincados. A tradição e os códigos hierárquicos são mais visíveis e legitimados por séculos de História conferindo um maior peso ao protocolo do Estado. No entanto, as Repúblicas não dispensaram, e bem, o cerimonial e reiteram o protocolo como instrumento normativo tornando-o regra e instrumento ao serviço da ordem e da segurança.
[1] Mangerona, Sílvia, & Folgado, Pedro. (2017). Protocolo e Segurança. Revista ResPublica, n.16, 233-245.