No dia 5 de Maio comemorou-se o Dia Mundial da Língua Portuguesa. Este dia será assinalado em mais de 60 países de forma a lembrar os mais de 260 milhões de falantes, com múltiplos sotaques, espalhados pelo mundo. Em Portugal, o dia será marcado pela entrega do Prémio Camões à escritora moçambicana Paulina Chiziane.

A pertença subsidiária reconhece que os cidadãos são hoje pessoas com múltiplos elos de pertença, inseridos em comunidades multiníveis que se encontram e estruturam, de forma natural, entre a família e o Estado e as organizações supranacionais.

A língua e a cultura são, sem dúvida, elementos que naturalmente nos posicionam em grupo de pessoas que se aproximam e identificam. Através da língua, dos símbolos, da estética, das artes, da gastronomia, as pessoas criam laços que são verdadeiros facilitadores da convivência. E se assim é, qual a razão para o tema da lusofonia e da comunidade que a integra ser ainda tão sensível? Por que é que ainda hoje – 200 anos depois do Grito do Ipiranga que tornou o Brasil independente e quase 50 anos depois da independência das restantes colónias portuguesas- a lusofonia é um tema tão crispado e que promove, ainda, tanta tensão entre nós?

O tema da lusofonia ainda é tão tenso entre nós porque a comunidade lusófona nasce e cresce resultado de um processo colonial e isso traz desequilíbrios e mágoas. Traz memórias, muitas ainda de viva voz, que podem resultar em análises apaixonadas e parciais.

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Apesar da consciência e do respeito que esta realidade nos deve merecer, não devemos desvalorizar o património comum, nem desacreditar o seu potencial. Pelo contrário, devemos pensar em soluções e compromissos –   olhar para tudo isto com mais respeito e empatia.

Não se pode reescrever a história, embora haja por aí quem tente. E tal como na vida de cada um de nós, não valerá a pena querer apagar partes ou fingir que não aconteceram. Mas valerá a pena aprender com tudo o que se passou e falar disso. Falar muito, estudar muito, partilhar muito. Olhar para a comunidade lusófona como um ativo, como um património comum a valorizar e defender. E assumir as nossas responsabilidades – como afirmou o nosso Presidente da República neste último discurso comemorativo do 25 de abril – “assumir a responsabilidade para o futuro daquilo que de bom e mau fizemos no passado”.

Mas afinal o que significa a pertença subsidiária?

A pertença subsidiária é um reconhecimento, mais ou menos formal, de que todos nós temos múltiplas pertenças. Uma hierarquia de identificação que vai desde a geográfica até à cultural. Assim sendo, este conceito de pertença subsidiária é relevante para a lusofonia e para a comunidade que a configura. Considero até ser indispensável. Reconhecer a pertença subsidiária no espaço da lusofonia é uma esperança no futuro. Como disse o saudoso Professor Ernâni Lopes, num colóquio na Universidade Católica Portuguesa, em 2008, a construção da lusofonia “é um mix (adequado, refletido e ousado) de realismo e idealismo”. E passados já 15 anos depois destas reflexões do Professor Ernâni Lopes que entendia “a lusofonia como vetor de futuro”, e 27 anos depois da formação da CPLP- Comunidade dos Países de Língua Portuguesa- a comunidade lusófona tornou-se hoje um ativo internacional de relevo com dimensão económica, comercial, tecnológica, científica e cultural. Mais ainda: a CPLP tem, idiossincraticamente, uma dimensão geopolítica assente no “Mar lusófono”. O mar do “diálogo tricontinental” que nos uniu e que será, certamente, um dos nossos grandes ativos e uma fonte de oportunidades.

Recentemente, durante a visita do Presidente Lula da Silva, o nosso Primeiro-Ministro, António Costa, anunciou uma nova ligação marítima entre América Latina e a Europa: um novo cabo de fibra ótica que ligará Fortaleza a Sines. Esta foi uma realização, aparentemente, de diplomacia bilateral, mas que terá consequências no cenário da CPLP e da Lusofonia e constituirá um avanço significativo na transição digital.

Os desafios e as oportunidades que se colocam ao mundo lusófono são enormes. Na Conferência – Lusofonia: Desafios e Oportunidades? – organizada pela Professora Doutora Regina Queiroz, na Universidade Lusófona, no passado dia 27 de abril, tivemos oportunidade de refletir sobre estes temas. Pode consultar o cartaz do evento e contar com a publicação das comunicações ainda este ano.

No final da minha participação nesta conferência, lembrei as primeiras palavras de um livro do José Eduardo Agualusa – “Os Vivos e os Outros”, publicado em 2020: “O mar continua pendurado na janela da sala”. E foi inspirada na beleza desta frase que terminei a minha comunicação afirmando que na casa da lusofonia (a que todos pertencemos de forma subsidiária) também o mar e a língua portuguesa continuam pendurados na nossa janela comum.