A PT tem mel. Não há mosca que não atraia. E disparate que não propicie. Consegue até ser mais aglutinadora de passadistas do que a Aula Magna. E mostrar ainda melhor do que o abaixo-assinado da dívida que há quem nunca esqueça nada e, sobretudo, numa aprenda nada. Quem não tenha emenda.
O problema da PT não é a Altice – o problema da PT é insistirem em olhar para ela como se não fosse uma empresa, uma boa empresa, mas mesmo assim uma empresa, como a NOS e a Vodafone, suas rivais no mercado das telecomunicações. Não foi assim no passado, e isso fez mal ao nosso tecido empresarial, mas pode deixar de ser assim no futuro. Mas é necessário resistir às investidas da nova brigada do reumático e das corporações de sempre.
O que fez mal à PT, como já aqui defendi, não foi o fim da golden share: foi o uso e abuso da golden share, pois foi por causa da golden share e de um capricho do anterior primeiro-ministro que a PT fez o desastroso negócio com a Oi. Não foi uma escolha dos seus accionistas – foi uma escolha política que, na altura, assumiu contornos de autoritarismo.
O que fez mal à PT não foi a Caixa Geral de Depósitos ter saído do seu capital e deixado de “contrabalançar” a influência nefasta do BES, como agora por aí se diz; foi sim a conivência da CGD com o BES, uma conivência, mesmo uma cumplicidade, que teve momentos altos num passado não muito longínquo, nomeadamente no combate à OPA da Sonaecom, com Armando Vara como protagonista.
Não houve Estado a menos na PT – houve sim Estado a mais, interferências governamentais a mais, cumplicidades a mais.
A destruição de valor na PT não aconteceu por defeitos da concorrência no mercado das telecomunicações, pois esses defeitos de concorrência sempre beneficiaram a PT, o poderoso incumbente. A destruição de valor na PT ocorreu porque um accionista a instrumentalizou, praticando acções que, na minha modesta opinião de cidadão e cliente (não tenho nem nunca tive acções da PT), configuram crimes.
O Estado, os governos, fizeram muito mal à PT, ora usaram e abusaram dela, ora a protegeram para além do que era razoável e saudável. Mesmo assim a PT é uma boa empresa que, ao contrário do que por aí se andou a dizer, não está em saldo. Sete mil milhões de euros não é uma oferta por salvados, seja qual for o valor que se atribua às dívidas da empresa. Sete mil milhões é uma “pipa de massa” em qualquer parte do mundo, um valor que surpreendeu positivamente os analistas. Estamos muito longe de uma “venda ao desbarato”.
Nos últimos dias, desde que se começou a falar da possível venda da PT Portugal (as operações em Portugal da PT, que são uma coisa diferente da PT SGPS, a empresa cotada em bolsa e cujo único activo é uma quota da da Oi), a quantidade de disparates que tem sido dita no espaço público não conheceu limites.
Por um lado, a PT passou a ser uma empresa maravilhosa, com um centro de inovação que só por distração ainda não nos tinha proporcionado um Prémio Nobel ou um telemóvel capaz de rivalizar com as criações de Steve Jobs. Por outro, que a eventual perda do controlo por capital nacional representaria uma enorme perda para os consumidores, como se no mesmo mercado das telecomunicações não operasse já uma multinacional (a Vodafone, que antes foi Telecel) e uma empresa com forte presença de capital angolano (a NOS).
Vimos ressurgir, em força, a ideia da superioridade dos centros de decisão nacional, algo de que devíamos desconfiar depois de termos visto onde conduziu a obsessão pela manutenção do controle de um grupo por uma família portuguesa (é um dos aspectos mais instrutivos da saga dos Espírito Santo, da espiral de dívida do grupo e da forma como, quase até ao fim, convenceram governos atrás de governos a protegerem os seus interesses).
De repente uma empresa, a Altice, com presença forte em vários mercados de telecomunicações (líder em Israel, segunda em França), passou a ser apresentada como um “fundo abutre”. O que mostra toda má-fé deste debate.
Neste momento a PT Portugal é uma empresa de capitais maioritariamente brasileiros. Foi o ponto a que chegámos depois de um primeiro-ministro – que tem um nome: José Sócrates – ter obrigado os accionistas privados da empresa a entrarem na Oi. Esses accionistas, entre os quais se conta o Novo Banco, estão agora enfiados num grande barco e o seu destino depende do destino desse barco. Para defenderem os seus interesses, que são os interesses de capitais portugueses, terão de decidir, ou ajudar a decidir, ou bloquear a decisão, de qual o melhor caminho da Oi. Terão de avaliar se, para sobreviver no gigantesco mercado brasileiro, necessitam ou não do capital que lhe viria da venda da PT Portugal. É essa a racionalidade económica do negócio.
A racionalidade patrioteira pode levar a um desastre semelhante à decisão de entrarem na Oi. Isto é, podiam “salvar” hoje a empresa de capitais brasileiros chamada PT Portugal mas, com isso, comprometerem o futuro da Oi e, a prazo, o próprio futuro da PT. Raciocínios políticos não são, por regra, raciocínios razoáveis quando se trata de decidir o melhor caminho de uma empresa que tem competir em mercados globais.
Mas a racionalidade patrioteira parece ser a única conhecida da autêntica brigada do reumático que se reuniu nessa nova União Nacional que vai do velhíssimo CDS ao Bloco de Esquerda. De facto, quando no mesmo saco se encontram figuras tão diferentes como Louçã e Bagão Félix, Pacheco Pereira e Carvalho da Silva, Silva Peneda e Freitas do Amaral, todos a defender que “Portugal não pode ficar desarmado” ou que “os órgãos de soberania devem interpretar fielmente a prossecução do bem comum que é pertença da Nação”, é porque, neste país, Salazar e Cunhal ainda são as grandes referências na forma de pensar. O Estado é a nação. As empresas são nossas. O mercado é coisa de estrangeiros. A pequenez a nossa condição.
Não sou a favor nem contra a Altice ou qualquer outro pretendente à PT. Não estou preocupado porque a PT já não a única boa empresa do sector. Não quero é que, seja sob que pretexto for, seja sob que veículo for (Novo Banco, por exemplo), o Governo, este ou qualquer outro, volte a dar ordens em matérias empresariais que não são da sua competência. Assim como não quero que, em nome de uma visão patrioteira e iliberal da economia se mobilize um cêntimo dos meus impostos para “salvar a PT”. Nem eu nem nenhum português, à excepção porventura dos que beneficiaram da protecção de mercado que a PT teve, ficará “desarmado” se ela for francesa ou espanhola em vez de ser brasileira.
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