Sentado no pequeno mas acolhedor Café Tout Bon, na Rue du Luxembourg, em Bruxelas, com a praça com o mesmo nome como fundo, perguntei à Membro do Parlamento Europeu, que fizera a enorme gentileza de disponibilizar algum do seu (pouco) tempo para falarmos sobre o trabalho realizado pela Delegação para as Relações com os Estados Unidos: “Preocupa-te o facto que, a este ritmo, brevemente tenhas que lidar com uma delegação da Casa dos Representantes do Congresso Americano onde alguns dos Republicanos sejam QAnons, extremistas e paranóicos?”. Ela olhou para mim por cima da chávena de café com uma expressão de ceticismo. “Nós temos bons contatos tanto com Democratas como com Republicanos”. Ao qual acrescentei: “Talvez ainda tenhamos isso agora, mas está o Parlamento Europeu a preparar-se para um worst case scenario, onde esses serão os representantes de um dos dois partidos que partilham o poder na América?”.

Em julho de 2018, a Casa dos Representantes passou uma resolução, mesmo que não vinculativa, de apoio à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO no acrónimo em inglês). Esta passou por unanimidade na câmara baixa do Congresso, sendo a Aliança descrita como “indispensável” pelo então Speaker of the House, o Republicano Paul Ryan. Passados quatro anos, quando uma resolução similar expressando “o apoio inequívoco à NATO como uma aliança fundada em princípios democráticos”, e que apela ao Presidente dos Estados Unidos para “adotar um novo Conceito Estratégico para a NATO que é claro no apoio para valores democráticos partilhados, e no compromisso para aumentar a capacidade da NATO para fortalecer instituições democráticas nos seus membros, parceiros e países com aspirações de se juntarem à Aliança”… 63 dos Representantes Republicanos votaram contra. Isto representa 30% do Caucus que conta com 204 legisladores.

E se podia pensar-se que seria exclusivo da câmara baixa, no Senado, quando foi preciso votar num pacote financeiro de ajuda humanitária e militar para a Ucrânia, 31 Senadores Republicanos votaram contra a proposta. Tempos houve onde o Partido Republicano tinha dois pontos de partida sacrossantos: a América devia ser o centro do comércio internacional e a NATO, com os Estados Unidos como principal garante, uma promotora de paz e estabilidade na ordem mundial. Nesta nova era do partido, nem isso é garantido. De facto, existem indícios credíveis que no início de 2019 o então Presidente Trump discutira, aberta e repetidamente com membros da equipa responsável pela Segurança Nacional, a possibilidade de os Estados Unidos saírem da NATO, descrevendo a organização como sem sentido e um fardo para a América. Isto seria mais tarde confirmado pelo antigo National Security Advisor, John Bolton, que afirmou que a saída da Aliança estava prevista vir a acontecer no segundo mandato de Trump, se este tivesse ganho as eleições presidenciais de 2020. O atual desvario dos políticos conservadores americanos já foi apresentado neste espaço repetidamente. No entanto, cada novo episódio consegue ser mais preocupante, pois reflete uma tendência, transversal a muitos outros aspetos da vida política nos EUA, de um crescente número (agora a pairar nos 30%) de eleitorado, políticos e legisladores conservadores que não defendem os valores básicos com os quais os Estados Unidos fizeram a sua posição no mundo pós Segunda Guerra Mundial: apoio a regimes democráticos, luta contra autoritarismos, paz através de um equilíbrio de forças, progresso civilizacional.

Esta nova geração de Republicanos acredita que consegue ser mais facilmente eleita se apelar ao pior que os americanos podem ser: mesquinhos, isolacionistas, iliberais e antidemocratas. Não foi de estranhar que a Conferência para Ação Política Conservadora (Conservative Political Action Conference, ou CPAC no original) tenha decidido ter o seu próximo evento em Budapeste, com um dos convidados de honra, Viktor Orbán, que tem mostrado mais fidelidade a Vladimir Putin que aos parceiros da União Europeia. As conferências da CPAC têm-se tornado, progressivamente, num circo de horrores, onde na última edição em Orlando, e apenas como alguns exemplos, foram realizados painéis de discussão com títulos como: “Obamacare continua a matar”, A “verdade sobre o 6 de janeiro”, “Agora percebem porque temos uma segunda emenda na Constituição?”, “Vamos prendê-la [uma alusão a Hillary Clinton] e mandá-la para a fronteira”, e (mantendo o original para máximo efeito aqui) “The Moron in Chief”.

A União Europeia e os países na NATO seriam prudentes ao prepararem-se para o pior: para uma América que não defenderá a promoção da democracia, a soberania de países sob ataque, a dissuasão militar para com agentes inconfiáveis e a ordem mundial que, afinal, foram eles que ajudaram a criar e manter durante décadas. Se os 30% passarem para 40% e daí para 50%+1 (se a democracia nos EUA não colapsar, entretanto) a Europa pode ver-se entre dois blocos que terão como política principal destruir, ou minar, as alianças baseadas em princípios democráticos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR