As negociações para o Orçamento de Estado de 2025 são um espelho de um país estagnado. Inerte, não só na economia mas na visão que tem de si mesmo. No tipo de sociedade em que queremos viver, tendo em conta as profundas alterações tecnológicas que ocorrem por esse mundo fora e com implicações desde o domínio geoestratégico até ao nível mais corriqueiro do nosso dia-a-dia.

Há dias soubemos que a Irlanda tem excedentes orçamentais de mais de 8 mil milhões de euros. Com o segundo PIB per capita da UE, a Irlanda apostou numa política de captação de investimento estrangeiro em larga escala e gerador de emprego qualificado com ordenados elevados. O salário mínimo na Irlanda é de 12,70 euros por hora de trabalho. Em Portugal, o valor hora do salário mínimo fica-se pelos de 4,65 euros. Independentemente do salário mínimo colocar questões complicadas ao nível harmonização das disparidades económicas que existem entre o litoral e o interior do país, são valores que nos deviam fazer pensar. Montantes que deveriam fazer a esquerda portuguesa ponderar bem as suas palavras e acções de cada vez que, com altivez, se refere ao caso irlandês e defende medidas prejudiciais ao investimento e à criação de emprego bem remunerado.

Talvez por apenas ter conseguido a sua independência muito recentemente, a Irlanda sentiu necessidade de se sobressair economicamente e assim justificar o fim da sua submissão secular face à Inglaterra. Possivelmente porque a nossa identidade é muito antiga e a independência face a Espanha é perene (nem sequer no tempo dos Filipes a autonomia e a identidade portuguesa foi questionada), não se torna imperioso atingir a excelência para salientar a diferença. Vítimas das nossas circunstâncias, justificado o nosso carácter e independência numa identidade milenar, peculiar e sustentada no apoio que vem do mar (seja militar ou económico e até mesmo financeiro), damo-nos ao luxo de uma vida suave sem grandes feitos e obras.

E é precisamente este ponto que, enquanto comunidade portuguesa, deveríamos debater. Em que país queremos viver? Que Portugal queremos? É perfeitamente legítimo que não queiramos ser como a Irlanda. É totalmente aceitável que não desejemos as alterações nos métodos de trabalho que pressupõe um investimento estrangeiro em larga escala. Mas se escolhermos esse rumo, como parece ser o caso desde 1996, não há lugar para lamentos nem queixumes. Quem não gosta ou preferir outra coisa pode sempre ir embora. Sair. E de certa forma é o que tem acontecido. De acordo com o Atlas da Emigração Portuguesa, do Observatório da Emigração, entre 2001 e 2020 terão saído anualmente de Portugal uma média de 75 mil pessoas. Cerca de 1 milhão e meio de portugueses. De acordo com o mesmo relatório, a emigração portuguesa é a maior da Europa e a oitava maior do mundo.

Não há mal em querer viver noutro país e alargar horizontes. Muito pelo contrário. Sucede que os números da emigração são extremamente elevados e as razões da saída de tantos portugueses se prendem com o desejo de conseguir viver um pouco melhor. Muitos dos que saem do país fazem-no porque em Portugal não têm um ordenado suficiente para uma vida razoável. Não saem por ambição, mas por necessidade. E isso é sinal de um país que não está bem consigo mesmo. Ou que não devia estar. Infelizmente, a inércia também tem essa consequência: o deixar andar.

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