Antes de mais, é interessante realçar que a esquerda tem mais dificuldade em aprovar um orçamento extremamente deficitário que os marcados pelas cativações. Infelizmente, as razões para tal não resultam de uma conversão à gestão rigorosa do dinheiro dos que pagam impostos. A partir da pandemia, o dinheiro que está com o Estado existe para ser gasto e de preferência ir ao encontro do mercado eleitoral de cada um. O que dificulta a aprovação do Orçamento para 2021 é que cada um dos partidos que o negoceiam quer obter o máximo possível para a sua facção de apoio sem que os restantes consigam sobressair. Encarar o voto como um jogo de oferta e de procura comporta o risco de outros serem mais eficientes na prestação do serviço que é a guerra de influências para favorecer a respectiva falange de apoio.
É porque o Governo, BE e PCP só olham para os respectivos eleitorados, que o Orçamento do Estado para 2021 se tornou numa ficção. Ainda não se fecharam as negociações e os seus pressupostos já foram ultrapassados. Um exemplo? Nada mais simples que atentarmos na projecção do crescimento económico para o próximo ano, e que determina todo o Orçamento. O Governo prevê que este seja de 5,4% do PIB. É com base nesta projecção que se espera um défice de 4,3%. Ora, a previsão do crescimento deve partir do princípio que a pandemia termina no dia 31 de Dezembro de 2020. Que em Janeiro se dá um milagre, surge uma vacina milagrosa, milhões de pessoas são vacinadas e voltamos à rua para almoçar e jantar nos restaurantes, enchermos os centros comerciais, nos pormos a gastar (ainda me surpreendo que o país seja governado por quem reduz a economia ao consumo) e as empresas a produzir (mesmo sem capital). Que vai ser tudo maravilhoso e 2020 um pesadelo que fica para trás. A expectativa que o défice seja reduzido através do aumento das receitas fiscais é também mais um exemplo de como este Orçamento do Estado correu mal ainda antes de ser aprovado.
Na verdade, o que se prepara para 2021 não é um milagre. Na melhor das hipóteses uma recuperação gradual, enquanto a pandemia for regredindo. Sendo Portugal um país muito dependente do turismo, o mais provável é que a recuperação económica seja mais débil que o desejado devido às contingências que esta coloca na vida de todos. Sendo a recuperação mais frágil, não de 5,4%, mas de 3% (vamos ser optimistas), e o défice já não será de 4,3%, mas superior. As contas não baterão certo e o filme pode bem vir a ser parecido com o que vimos em 2010. Governo, BE e PCP sabem disto e é por esta razão que as negociações se tornaram num tormento. Quando se tem consciência da realidade, podemos trabalhar melhor e atingir melhores resultados porque o fazemos com base em dados concretos e reais. Infelizmente, e porque se centram nos proveitos imediatos dos respectivos eleitorados, Governo, BE e PCP não se livram da ficção em que vivem. E como os três negoceiam em tempos de escassez, o acordo torna-se mais difícil, já que nenhum quer ser o primeiro a ceder.
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