O primeiro ministro, António Costa, durante a campanha para as últimas eleições europeias, afirmou que a altíssima taxa de abstenção, na altura previsível, merecia uma “reflexão séria”. Repetiram-se as preocupações, da direita à esquerda, na alta taxa de abstenção, e a análise pós-eleições foi unânime ao anunciar a abstenção como a grande vencedora da noite eleitoral.
Esta semana, faz exactamente um mês das eleições e a preocupação com o facto de termos a sexta pior taxa de participação dentro dos 28 países da UE, e estar bem abaixo da média europeia (31% em Portugal contra 50,82%), rapidamente se desvaneceu e voltámos a discutir os habituais fait divers políticos.
Não disponho de dotes de previsão do futuro, mas parece-me que após o Verão vamos ouvir as mesmas pessoas com as mesmas preocupações com a abstenção, os mesmos apelos ao voto, e no dia a seguir às eleições legislativas – a 6 de Outubro – a preocupação com a abstenção desvanecerá, instantaneamente, uma outra vez.
A gravidade da nossa taxa de abstenção não deve ser ignorada e apenas surtir uma falsa preocupação durante as campanhas eleitorais – é um sintoma da alienação de grande parte da população Portuguesa da sua participação activa no rumo da nossa sociedade.
Ouvimos, em várias eleições: “estava um dia de sol, os Portugueses gostam é de praia”; se, por outro lado, está a chover, ouvimos: “está a chover, os Portugueses não saem de casa com este tempo!”. Talvez nos descanse que o problema está no tempo, mas não está – desde 1975, em todo o tipo de eleições, a tendência de crescimento da abstenção é imparável: cavalgou dos cerca de 8.5% em 75 para mais de 40% nas últimas legislativas.
Apesar deste cenário, foram dados passos importantes para a inclusão de todas as pessoas no processo eleitoral, e mesmo que o seu impacto na redução da abstenção seja pequeno, estes são cruciais como instrumentos de sinalização a todos os Portugueses que a participação é fundamental para o nosso país. O voto em Braille e a recenseamento automático de residentes no estrangeiro são exemplos disso.
As pessoas que defendem que votar “não vale a pena” porque “vai dar ao mesmo” não percebem que são elas que, ao alienar-se do processo eleitoral, se alienam de Portugal, sobrando menos pessoas preocupadas e atentas à classe política.
“Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal” — afirmou Passos Coelho em 2012. Talvez fique a ideia de “que se lixe a abstenção, os votos chegam para ser eleitos e termos menos escrutínio”. Não podemos deixar que a nossa democracia definhe.
Daniel Araújo, 31 anos, é o CEO da Attentive, uma empresa tecnológica criada em 2015, considerada “Top 10 B2B Startup in Europe” em 2016. Em 2017, participou no programa de aceleração Techstars em Boulder, EUA. Antes de lançar a empresa, foi analista de Indústria na Google em Dublin e Londres durante cinco anos. Juntou-se ao Hub de Lisboa dos Global Shapers em 2017
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes. Irão partilhar a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers.