O futuro do trabalho, tantas vezes falado, não significa apenas uma necessidade de dotar a nossa sociedade de novas competências. Aliás, se só virmos esta mudança sob esse prisma, deixamos de fora a oportunidade de repensar a sociedade em que vivemos e queremos viver, e de refletir sobre o trabalho com um enfoque em mais produtividade, tendo melhor qualidade de vida.

Este futuro implica que as pessoas tenham mais opções, que a liderança seja feita por influência e não por autoridade, e que esta seja também desenhada a pensar em elevadores sociais e não só em redes de protecção para os trabalhadores. Neste panorama, o sector público terá que criar as condições para, alterando as regras, o nosso mercado de trabalho continue justo e competitivo. Porém, é no privado que encontramos os primeiros exemplos.

Muitas empresas já fizeram experiências a prazo para tentar responder exactamente a esta questão. Um exemplo recente foi testado pela Microsoft no Japão: a empresa tecnológica lançou um piloto com a equipa a trabalhar 4 dias por semana, o que levou a um aumento muito significativo da produtividade.

A qualidade de vida é, em si só, uma razão suficientemente forte para tentar procurar novas soluções para o trabalho, mas é também a nossa competitividade que está em jogo. Qualquer empresa, hoje em dia, consegue contratar recursos de qualidade para design, programação, marketing e até cargos de direcção no mundo inteiro, muitas vezes até remotamente.

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Isso significa que, não são só os nossos produtos físicos que têm que competir no mercado mundial, mas também a forma como as nossas organizações estão desenhadas.

O futuro do trabalho não é só tecnologia

A tecnologia é vista como o catalizador desta mudança e é muitas vezes vista como a solução simples e “chave-na-mão” para o trabalho do futuro (muitas vezes usando o nome de “Transformação Digital”). Infelizmente, a tecnologia não cria uma nova cultura dentro da empresa, apenas potencia a cultura que já existe. Se, por exemplo, não existir boa comunicação, a tecnologia só irá fazer com que comunicação piore, não que ela vá melhorar. O mesmo acontece com a produtividade — se a organização estiver mal desenhada, mal pensada e as pessoas desmotivadas, não é um software que, por si só, irá tornar tudo competitivo.

Felizmente, há razões para algum optimismo – a sociedade Portuguesa deu várias provas de saber reposicionar as suas indústrias, torná-las mais competitivas e ao mesmo tempo melhorar a qualidade de vida dos seus trabalhadores. Segundo a APPICAPS, na indústria do calçado, 95% da produção é exportada para 152 países, tendo as vendas crescido 60% nos últimos 10 anos, e foram também criados 10.000 novos postos de trabalho neste período.

Para conseguir estes números, a indústria teve de encontrar um posicionamento estratégico que não compete pelo preço mais baixo, mas pela qualidade-preço. Encontraram-se táticas para melhorar a produtividade, o marketing, os canais de aquisição e a qualidade de produção. É, sem qualquer margem para dúvida, uma indústria a preparar-se futuro.

Outros países encontraram soluções interessantes para financiar esta transição para novas competências. Singapura, por exemplo, criou o programa SkillsFuture (financiado pela Segurança Social). Mais perto, em França, existe um banco de horas para os trabalhadores usarem em formações para novas competências.

Portugal pode preparar-se para o futuro do trabalho. O primeiro passo seria começar com um debate mais alargado sobre o tema, envolvendo todos os sectores. Um óptimo começo será a conferência Lisboa Roadmap for the Future of Work – organizada pela Câmara Municipal de Lisboa em colaboração com o World Economic Fórum e o ISEG Executive Education.

Aprendendo com vários exemplos de sucesso e tendo o sector público, empresas, ONGs envolvidos, teremos a oportunidade de ver o futuro do trabalho aqui tão perto.

Daniel Araújo, 31 anos, é o CEO da Attentive, uma empresa tecnológica criada em 2015, considerada “Top 10 B2B Startup in Europe” em 2016. Em 2017, participou no programa de aceleração Techstars em Boulder, EUA. Antes de lançar a empresa, foi analista de Indústria na Google em Dublin e Londres durante cinco anos. Juntou-se ao Hub de Lisboa dos Global Shapers em 2017

Fontes: