Marine Le Pen foi desconvidada pelo Web Summit, e os comentadores nacionais dedicaram-se durante uns dias a determinar o exacto significado da retirada do convite: “censura politicamente correcta”, ou “resistência anti-fascista”? Acontece que antes de ser desconvidada, Le Pen foi convidada, e é esse o grande facto desta história. Há anos que toda a Europa bem-pensante está unida em oração e em gritaria contra a líder da ex-Frente Nacional. Como é possível ter constado da lista de convidados do Web Summit? O Web Summit é para os Bono e os António Guterres. No Web Summit, nenhuma opinião pode ofender, e só se pode dizer mal do Trump. Como é que o nome de Le Pen apareceu entre os oradores?
Poderá ter-se tratado de um golpe publicitário: “como é que pomos a malta a falar do Web Summit em Agosto?” “Olha, tenho uma ideia: convidamos a Le Pen, e depois desconvidamo-la”. Talvez tenha sido isso, mas mesmo que tenha sido só isso, é significativo. O ponto é que acabou o tempo em que podíamos esquecer Le Pen. Em 2002, quando o pai Le Pen chegou à segunda volta das presidenciais, obteve 17,8% dos votos. Em 2017, a filha teve 33,9%. Não é possível ignorar para sempre a escolha de um terço dos eleitores franceses. Tal como já não é praticável fingir que a Alternativa para a Alemanha não é o terceiro maior partido alemão, ou que Geert Wilders não lidera o segundo maior partido holandês, ou que a Áustria e a Itália não são governadas por partidos próximos de Le Pen, ou que até o Syriza não manda na Grécia em aliança com a “extrema-direita” nacionalista (fazem-se “geringonças” com muitos ingredientes).
Sim, haverá nostálgicos do fascismo nesses partidos, tal como há nostálgicos das tiranias comunistas nos partidos da esquerda. Sim, os seus líderes gostam de tirar fotografias com Vladimir Putin. Sim, são soberanistas e proteccionistas. Não é no entanto porque 33,9% dos franceses desejem a ressurreição do fascismo, o fim da UE ou o avanço de Putin que ouvem Le Pen ou votam nela, mas porque as elites europeias, da esquerda à direita, decidiram entregar a Le Pen ou a Wilders o exclusivo de falar sobre aquela que é, manifestamente, a questão fundamental para os eleitorados, porque é essa questão que explica a subversão “populista” dos velhos sistemas de partidos: a transformação das sociedades da Europa ocidental através das migrações descontroladas das últimas décadas.
Nada nesta questão é fácil. Mas talvez fosse possível examiná-la e discuti-la com um pouco mais de serenidade. Só que na Europa oficial, a regra continua a ser a de tratar como prova de “racismo” a mais pequena dúvida sobre o afluxo caótico e ilegal que, em poucos anos, mudou a composição da população nas grandes cidades. Com ou sem razão, muitos europeus sentem que se passou além da “diversidade”, geralmente aceite, e que começam a estar em causa a coesão e o sentido das sociedades em que vivem. As elites, porém, não admitem maus pressentimentos. Para acabar a conversa, citam a quebra demográfica, como se só pudesse ser resolvida através da importação de população, ou invocam uma suposta culpa histórica, que tivesse de ser expiada através da renúncia dos europeus ao direito a viver em Estados com identidades e culturas nacionais específicas – direito todavia reconhecido a todos os outros povos. Douglas Murray explica tudo isto em A Estranha Morte da Europa.
Ao tentarem criar um tabu sobre as migrações, as elites europeias criaram Marine Le Pen e os outros. Talvez a voz deles não chegue ao céu, mas já quase chega ao que, na terra, é mais parecido com o céu, o Web Summit, onde alguém, para ouvir Le Pen ou para que falassem do Web Summit, se lembrou de lhe dar palco. Quem convidou Le Pen? As elites europeias, da esquerda à direita.