É possível que o Parlamento chumbe o primeiro orçamento de um governo minoritário, escassos meses após a aprovação do programa de governo. A razão para tal reside num facto inédito: o chumbo do OE depender da reacção de dois partidos da oposição (PS e CH), que se não importam em votar juntos se virem nisso vantagem. Esta realidade não existiu no passado: enquanto nos governos minoritários do PS a soma de PSD e CDS não era suficiente para os destituir, já em 1985 seria impensável que o PS de Soares e o PRD de Eanes — decorridos apenas 10 anos do 25 de Novembro — se juntassem ao PCP de Cunhal para derrubar um governo acabado de ser legitimado nas urnas.

Foi este equilíbrio que desapareceu em 2024 porque o futuro do orçamento depende, não de um nem de três, mas de dois partidos. Se os dois se abstiverem, os dois ficam com um amargo de boca; se o PS se abstiver, o CH tem o trunfo do voto contra; se o PS votar contra, o CH terá de pesar bem as consequências dos seus actos; se os dois votarem contra, ambos recebem a fava das eleições antecipadas. Tanto PS como CH gostariam de votar contra, mas não querem eleições. É um verdadeiro jogo das cadeiras com dois jogadores para um só lugar, o de líder da oposição.

Em 1985, PS e PRD digladiavam-se pelo mesmo espaço político, mas a soma dos dois não era suficiente para chumbar o primeiro orçamento do PSD. Isso não acontece agora porque juntos, PS e CH, têm essa maioria. PS e PRD não precisaram de jogar ao gato e ao rato; PS e CH estão condenados a fazê-lo. Um jogo perigoso, 6 meses depois das legislativas e apenas 4 após a aprovação do programa de governo. Dito de outra forma: nem PS nem CH querem eleições, pois o risco de perderem o controlo da narrativa (do porquê do chumbo do OE) é elevado e o risco de perderem as eleições é ainda maior.

Do lado oposto, o governo não tem motivos para se preocupar com a antecipação das eleições por chumbo do orçamento. Pelo contrário, o pior cenário para Montenegro é que a aprovação do OE o force a governar mais dois anos, depois de gastas as sobras para as borlas. Se o orçamento passar em Outubro, governar bem implica reformas. E isso, Montenegro já mostrou não ser capaz ou não ter força política para tal.

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Com o orçamento aprovado, o país corre o sério risco de ficar com mais um governo que empurra os problemas com a barriga. A fazer o que o PS de Costa fez. E o que aconteceu ao seu último governo? Caiu por si. Claro que, sendo um político magistral, António Costa saiu quando lhe foi conveniente. Já Luís Montenegro, caso não consiga enfurecer Pedro Nuno Santos, ficará em lume brando até ao dia em que o PS e o CH acharem que cozeu o suficiente.

É por estar ciente desse risco que Luís Montenegro provoca Pedro Nuno Santos. É por isso que o procura humilhar, é por essa razão que estica a corda e é por esse motivo que, desde o discurso da sua tomada de posse, joga ao ataque contra o PS. O PSD precisa e deseja que Pedro Nuno Santos chumbe o orçamento e leve André Ventura consigo.

É um verdadeiro jogo de nervos que pode continuar até ao derradeiro momento em que os deputados forem chamados a votar. Um jogo interessante para quem gosta de novelas políticas deste calibre, mas irrelevante para o país que precisa urgentemente de algo mais concreto.