Clemenceau disse que a guerra era um assunto demasiado sério para ser deixado aos militares. Não queria obviamente dizer que deveriam ser os civis a comandar as tropas ou a tomar decisões tácticas nos campos de batalha, mas que as opções estratégicas numa guerra são decisões políticas, que têm de ser decididas pelos responsáveis políticos.

Será que uma pandemia não é um assunto demasiado sério para ser deixado aos médicos? Parece que o governo português acha que não.

Mas, afinal, como se devem tomar as decisões num quadro de pandemia? Apenas numa ótica de salvar o maior número de vidas no imediato, como os médicos pensam, ou com uma ponderação adequada das consequências económicas e humanas das decisões tomadas?

Como parece evidente, os médicos, cujo parecer técnico é insubstituível, não têm preparação nem qualificações para avaliarem o impacto económico e social de medidas sanitárias.

Será sensato confinar toda a população e causar um desastre económico para minimizar as consequências de uma pandemia cujas vítimas têm uma média etária de 81 anos? E as vidas desfeitas dos jovens, as carências generalizadas dos desempregados, o ensino interrompido das crianças, o desespero expectável de milhões de pessoas?

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A decisão de confinar toda a gente, em vez de optar por medidas direcionadas para proteger grupos de maior risco (justamente os que foram deixados mais expostos, em especial nos lares) é uma decisão política que tem de ser tomada pelos responsáveis políticos.

No mundo de hoje assistimos frequentemente à invasão do espaço da Administração pelo poder político e vice-versa. Será que quando a Direção-Geral de Saúde nos disse para não usarmos máscaras foi porque a Diretora-Geral acreditava que eram desnecessárias ou contraproducentes ou porque não estavam disponíveis? Ou que quando foi dito que não era preciso fazer testes era porque pensava assim ou porque não existiam meios para os fazer?

Se em ambos os casos as afirmações foram feitas com reserva mental (como penso que a esmagadora maioria dos portugueses acha), estamos perante a utilização de um órgão da Administração Pública para dar cobertura à incompetência política ou, pelo menos, para desviar as atenções para deficiências do modelo de proteção individual que, a ser obrigatório, teria de ser imposto pela via política e legislativa.

Para além das considerações técnicas e científicas, aliás muito variadas e contraditórias, o poder político tem de revelar quais as que toma em consideração e pautar a gestão da pandemia pela prevenção, não apenas na vertente sanitária, mas das consequências das medidas para a população em geral.

Numa democracia, a fundamentação das decisões tem de ser transparente e, numa situação com a gravidade da que enfrentamos, temos o direito de saber como se optou por tomar as decisões que foram adotadas e qual o cálculo das consequências que esteve na sua base.

Veremos se quando se avaliar o desastre, os políticos não nos vão dizer que fizeram apenas o que os médicos recomendaram. Não é certamente para isso que foram eleitos e lhes pagamos.

Presidente da Direção da Sociedade Portuguesa de Direito Internacional