Cadê as famosas noites europeias à quarta-feira? Cadê, repito-me. A final da Liga Europa é hoje, a da Liga dos Campeões é domingo. Em 48 horas, mais minuto menos minuto, a UEFA fecha a época 2019/20. Por isso, repito-me só mais uma vez: cadê as famosas noites europeias à quarta-feira?

Recuemos no tempo. Jacques Ferran é o enviado especial à competição sul-americana dos campeões, em Santiago do Chile, no ano 1948. O Vasco da Gama, campeão carioca, ganha a primeira edição a outros seis clubes e o jornalista francês elogia a prova ao ponto de aconselhar um módulo igual à escala europeia. Gabriel Hanot, director do L’Équipe, apresenta então a ideia à UEFA numa carta, em Dezembro 1954, e recebe uma nega com o argumento de que a união está mais preocupada com um campeonato de selecções já existente na América do Sul desde 1916.

Hanot insiste e a UEFA dá-lhe carta branca para planificar o que quisesse. O L’Équipe toma as rédeas da Taça dos Campeões Europeus. Com os famosos jogos na quarta-feira à noite? Isso é o que vamos ver. A organização da UEFA só é tida e achada no primeiro congresso, em Viena, a 2 Março 1955. A ideia do L’Équipe para a edição inaugural da Taça dos Campeões é reunir os melhores clubes da Europa, que não necessariamente os campeões (Anderlecht, Aarhus, Djurgardens, Milan, Real Madrid, Stade de Reims e Rot-Weiss Essen) e sim aqueles que arrastam mais pessoas aos estádios nos respectivos países (Partizan, MTK, Servette, Hibernian, Gwardia, Rapid Viena, PSV e Saarbrücken).

Foquemo-nos agora em Portugal, o 16.º país convidado. O Benfica é o campeão nacional em Abril 1955, num título decidido aos 86 minutos da última jornada por um golo de João Martins, do Sporting. Ao Belenenses (2-2), que só perde esse campeonato por diferença de golos. O “L’Équipe”, com a bênção da UEFA, convida o Sporting, e não o Benfica. Por força do passado, e não apenas do presente.

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É nestas circunstâncias que Sporting e Partizan entram na história do futebol europeu com o primeiro jogo na Taça dos Campeões. Como ainda não há tais as jornadas europeias definidas pela UEFA, os clubes é que combinam entre si os dias dos jogos. Os dois chegam a um acordo para 4 Setembro 1955 como dia ideal do arranque da Taça dos Campeões. Como o Estádio José Alvalade está ainda mergulhado em obras para a mui digna inauguração no ano seguinte, o Jamor apresenta-se como o palco.

Pergunta de algibeira: o 4 Setembro 1955 é uma quarta-feira? Nada disso, é um domingo. E o jogo é à noite? Nem por isso, é às 15 horas. Aí está, a definição de quartas-feiras europeias ainda não tem razão de ser. Está um sol forte, quente. As duas equipas entram em campo. Primeiro o Partizan, com camisola branca e calção azul. Depois o Sporting, verde e branco em cima e preto em baixo. Os capitães Passos e Bobek escolhem cara ou coroa. Saem os jugoslavos com a bola.

O primeiro remate de perigo é de Mihailovic, por cima da barra de Carlos Gomes. Aos 14’, Barros apodera-se da bola no meio-campo e passa a João Martins. Este livra-se da marcação de Zebec, dá duas valentes passadas com a bola controlada e atira sem remissão para a baliza. É um golo vistoso, escreve o “Diário de Lisboa”. E é o primeiro de sempre na história da Taça dos Campeões. O jornalista do “Diário de Lisboa” está impressionado com os jugoslavos. “São malabaristas e fazem a bola passar por entre as pernas antes de entregá-la a um companheiro.” Daí à reviravolta é um passo, através de Valok (45’+1) e Milutinovic (46’).

Segue-se um período de boxe, de que alguns jogadores do Partizan são exímios praticantes. Os do Sporting defendem-se como podem e respondem com um golo de Quim, aos 58’. Bobek faz o 3-2 aos 73’, com culpas para o capitão Passos, a dar muita liberdade ao jugoslavo, e paira no ar a inevitabilidade da derrota até ao momento em que o número 9 leonino bisa. João Martins, completamente solto na esquerda, recebe de Quim e bate Stojanovic. É o 3-3 final e o início de uma bela história, gloriosamente pincelada em tons vermelhos (Benfica bicampeão em 1961 e 1962) e azuis (Porto levanta a taça em 1987 e 2004).

Posto isto, daqui a nada é domingo. Dia de Bayern-PSG na Luz. Quem ganha? Para mim, é tricky apontar o vencedor, vou só anunciar o resultado final. Qual? 4-0. E porquê? Fácil, a última vez que a final da Liga dos Campeões apresenta dois clubes apurados para a competição como campeões nacionais e também campeões nacionais no ano dessa final é em 1994. Em Atenas, Milan vs Barcelona, Capello vs Cruijff, Laudrup (Brian) vs Laudrup (Michael) – ambos afastados da final, na qualidade de quarto estrangeiro (Desailly, Savicevic + Boban vs Koeman, Romário + Stoitchkov). Outros tempos. O jogo é de sentido único, baile mesmo. Antes, na véspera, a sobranceria de Cruijff dá que falar. “Gastámos o mesmo dinheiro num jogador: o Milan em Desailly, o Barcelona em Romário. Isso diz tudo’ (…) ‘Somos favoritos porque jogamos para a frente e marcamos golos; todos gostam do nosso futebol, até os jogadores do Milan”. Pois bem, Massaro 1-0. Massaro 2-0. Savicevic 3-0. Desailly 4-0. Baile. A uma quarta-feira à noite.

Agora é diferente. Domingo chama por nós. Ainda por cima, a final decide-se na Luz. Quem marca o último golo de sempre da UEFA em Portugal a um domingo? Nuno Filipe Rodrigues Laranjeiro. O Laranjeiro. Nascido em Ourém e criado no Ouriense. Salta para os iniciados do Sporting. Depois, juvenis e juniores da União de Leiria. Faz uma carreira prolongada em Leiria e joga na Taça Intertoto 2007/08. Na terceira eliminatória, calha o Hajduk Kula. Em Belgrado, 1:0. Em Leiria, 0-0 aos 90 minutos. Aos 90’+3, Sougou cruza e Éder Gaúcho empurra para a baliza à guarda de Djuricic, guarda-redes leiriense daí a um ano. No prolongamento, o Hajduk prescinde do elemento mais rematador. Chama-se Fejsa. Nome próprio, Ljubomir. Ya, esse mesmo. É a sua estreia em Portugal. Sai de fininho, substituído por Vasigevic. Que faz o penálti sobre Sougou para o 2-0 de Laranjeiro.

Calma, há mais. No início da segunda parte do prolongamento, penálti para o Hajduk. Falta de Éder Gaúcho. Chamado a bater, Bogic reduz. E agora, a União faz a força? Canto de Alhandra e 3-1 de Sougou. Perto do fim, outro penálti sobre Sougou. A 11 metros da baliza, Laranjeiro bisa e apura a União para a terceira pré-eliminatória da Taça UEFA. Ao domingo à tarde, no dia 27 Julho 2007. Pouco mais de 13 anos depois, eis-nos à volta do Bayern-PSG. Quem se segue a Laranjeiro, quem?

Despeço-me à Engenheiro Sousa Veloso, com amizade e até ao próximo programa.