Desde 2016 que se prometem muitos milhões de euros para a reabilitação urbana.

Logo em abril o primeiro-ministro prometia 1,4 mil milhões de euros. Um mês depois, no Programa Nacional de Reformas, o governo aumentava este valor para 2,7 mil milhões de euros.

Cresceram as promessas de programas e de casas. Muitas casas!

Anunciaram, o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE), o Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas (IFRRU), a Casa Eficiente, que se juntaram ao programa Reabilitar para Arrendar existente desde 2013.

Disseram que haveria dinheiro dos fundos europeus, de empréstimos do Banco Europeu de Investimento, do Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa e da banca comercial. Prometeram muitos milhões do fundo de pensões da nossa segurança social. Até 20 milhões de euros de comparticipações do orçamento de estado.

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Volvidos quatro anos, como estamos?

O Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, que iria reabilitar imóveis de propriedade pública e promover habitações acessíveis, não passa de uma infindável sucessão de anúncios como escrevi em agosto passado. Primeiro eram 7.500 habitações, poucos meses depois o número descia para 2.700. Em dezembro último ainda estava a “ganhar forma”. Até hoje, não se viu uma única casa.

A Casa Eficiente, programa lançado em abril de 2018 e destinado a melhorar a eficiência energética das habitações, apresenta uma fraca adesão decorrido mais de um ano sobre o seu arranque. Segundo os seus responsáveis o dinheiro está “em risco de não chegar às famílias” e até se vaticina que o programa poderá “ser um estrondoso fracasso”.

O Reabilitar para Arrendar, segundo uma notícia de agosto, só tinha financiado 10 projetos em três anos. Este programa foi lançado para entidades públicas em 2013 e a partir de 2015 foi aberto aos promotores privados que destinassem as habitações para arrendamento. Teve então uma grande adesão. Hoje está moribundo, para não prognosticar que caminha para se tornar uma memória longínqua…

Resta o IFRRU que desde o seu lançamento em novembro de 2017 vai de vento em popa e é o único programa que neste momento apresenta resultados. Os investimentos contratados já passam os 350 milhões de euros – ainda assim longe dos valores prometidos pelo governo.

Perante este panorama cabe questionar como se chegou a esta situação.

Há vários programas e só um funciona. Porquê?

Há quatro anos que o governo alimenta expetativas muito elevadas com a reabilitação urbana. Ao anunciar muitos milhões de euros que seriam de fácil acesso, era óbvio que os promotores iriam aguardar pela concretização destas promessas.

O primeiro efeito foi a quebra na adesão ao único programa que existia, o Reabilitar para Arrendar. O descalabro deste programa é tão grande, que entretanto já há candidaturas que se transferiram para o IFRRU.

A segunda evidência é a situação da Casa Eficiente que não tem condições de financiamento tão favoráveis como as do IFRRU.

A terceira consequência é que depois de tanto anunciarem a prioridade às rendas acessíveis e casas para a classe média, constata-se que é tudo uma miragem. O alojamento local floresce e sobejam novos empreendimentos de luxo, hostels e hotéis de charme. A carteira de projectos financiados pelo IFRRU é o retrato desta realidade.

Quando se analisa os modelos de financiamento dos vários programas atrás referidos, percebe-se que o dinheiro mais barato, os fundos europeus e as comparticipações do orçamento de estado, vão todos para o IFRRU. Mais, estas verbas entram nos seus financiamentos com uma taxa de juro igual a zero.

Não surpreende portanto que os outros programas não apresentem resultados. Não têm meios para concorrer com o IFRRU.

Por exemplo, no Reabilitar para Arrendar exige-se que os proprietários coloquem as habitações em arrendamento, com rendas condicionadas. No IFRRU não existe esta limitação. Na Casa Acessível os empréstimos apresentam taxas de juro e condições de financiamento mais gravosas que as do IFRRU.

Paradoxal? Sem dúvida. Tão obsceno, como absurdo.

Como se diz na gíria popular, ficamos com os ossos e a carne do lombo vai para a malta da “massa” e para a habitação de luxo, o alojamento local e a hotelaria.

Afinal, o governo e esta maioria de esquerda que tanto falam da classe média, das rendas acessíveis, de casas para todos e do combate à especulação imobiliária, fomentam o oposto… e o resultado é que o dinheiro mais fácil e mais barato serve para alimentar e fazer crescer aquilo que tanto criticam.

Bem prega Frei Tomás…

Arquitecto, presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana de 2012 a 2017