1. Retomando estas crónicas após a pausa de Verão (desde 22 de Julho), é difícil saber por onde começar. Não posso esconder, todavia, que, ao longo destas semanas de pausa, tenho vindo a ler com preocupação crescente na melhor imprensa internacional contínuas e crescentes referências ao crescimento dos extremismos nas democracias euro-atlânticas.

O caso da Alemanha é talvez o mais surpreendente. O distinto jornal centrista Financial Times de Londres tem sido particularmente incisivo sobre o crescimento da direita radical e da esquerda radical na chamada Alemanha de Leste. Vem insistentemente alertando para que o partido da direita radical AfD e o novo partido da esquerda radical BSW estão em vias de obter resultados altamente preocupantes nas eleições na Saxónia e na Turíngia (realizadas ontem, domingo 1 de Setembro, mas de cujos resultados exactos ainda não tenho conhecimento quando escrevo este texto) e em Brandemburgo (que terão lugar a 22 de Setembro).

“Dois partidos abertamente anti-sistema estão em vias de detonar nas eleições de três estados da Alemanha de Leste um tremor de terra na política global alemã “, escrevia Constanze Stelzenmuller no FT de 15 de Agosto (p. 17). “Ambos são euro-cépticos, anti-NATO e anti-americanos ; ambos são pró-Rússia e contra o apoio à Ucrânia.” Diz ainda que na AfD existem explícitas referências neo-nazis e que um dos líderes do BSW, de nome Wagenknecht, é um declarado admirador de Estaline.

2. “A França ingovernável precisa de aprender o espírito de compromisso” é o título do Editorial do FT de 28 de Agosto (p.16). Um argumento semelhante surge na crónica de Sylvie Kauffman — diretora editorial e colunista do Le Monde — também no FT, desta vez de 30 de Agosto (p.17).

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Ambos os artigos lamentam o declínio do espírito de compromisso e de moderação na vida política francesa, alimentado pelo crescimento dos extremos. “A coabitação política era possível com partidos fortes na direita e na esquerda moderadas. Mas isso foi numa outra era”, escreveu Sylvie Kauffman. E acrescentou que “ambos são euro-cépticos, anti-NATO e anti-americanos.

3. Entretanto, na América, a Convenção Democrata entusiasticamente apoiou a candidatura de Kamala Harris.

Janet Daley — uma ancestral cronista conservadora-liberal do ancestralmente conservador-liberal The Telegraph de Londres — escreveu uma crónica surpreendente de apoio a Kamala Harris. Não resisto a citar o título da crónica: “Kamala Harris tem de vencer para purgar a América da ilusão de Trump”. E, já agora, o subtítulo: “A Democrata não é uma ‘comunista’ e a sua vitória forçará os Republicanos a retomarem um debate sério” (25 de Agosto, p. 20).

4. Por outras palavras, todos estes artigos em jornais do centro e do centro-direita condenam a polarização extremista e apelam ao espírito de compromisso e moderação que subjaz às democracias liberais.

Isto faz inevitavelmente lembrar a persistente batalha intelectual de Ralf Dahrendorf contra o que chamou as “dicotomias infelizes” entre partidos extremistas rivais que ameaçam as democracias liberais com discursos revolucionários simétricos contra o que designam por “o sistema” ou “o regime”, ou “contra as elites” e em nome do “povo”.

Dahrendorf sempre insistiu que um dos principais propósitos de uma democracia liberal-constitucional é o de permitir e garantir a permanente conversação e a concorrência pluralistas entre pontos de vista diferentes, muitas vezes rivais, sobre políticas públicas.
Uns pontos de vista poderão inclinar-se mais para os mercados livres, outros poderão favorecer a intervenção estatal. Umas vezes uns vencerão as eleições, outras vezes vencerão os outros. E os vencedores devem ser autorizados a governar, enquanto os vencidos tranquilamente ocuparão uma oposição civilizada.

Isto significa que cada um de nós encontrará frequentemente a vitória eleitoral de propostas e partidos políticos com os quais podemos discordar. Mas não será por isso que vamos começar a atacar os chamados “regime” ou “sistema” e a pregar as “infelizes dicotomias” do chamado “povo” contra as chamadas “elites” — uma linguagem primitiva que é contrária ao pluralismo tranquilo das democracias liberais.

5. Vale ainda a pena recordar que Dahrendorf gostava de enfatizar a sua profunda dívida intelectual a Edmund Burke — o deputado liberal-conservador britânico que apoiou a moderação da revolução americana de 1776 e a seguir criticou o radicalismo da revolução francesa de 1789. A passagem de Burke preferida por Dahrendorf permanece enfaticamente actual: “Tenho pouco para recomendar as minhas opiniões além de longa observação e muita imparcialidade […] Elas vêm de alguém que dedicou quase toda a sua vida pública à defesa da liberdade dos outros. […] Alguém que, quando o equilíbrio do navio em que navega é ameaçado por excessivo peso em um dos lados, está desejoso de transportar o pequeno peso dos seus argumentos para o lado que possa preservar o equilíbrio.”