A aposentação de professores prossegue a uma velocidade galopante. Entre 2018 e 2030, o sistema educativo (pré-escolar, básico e secundário) perderá mais de 40% dos seus quadros docentes (cerca de 47 mil professores). A estimativa de necessidades de contratação para os próximos 10 anos supera os 34 mil professores — um número muito acima dos novos professores saídos dos cursos de Educação (em média, 1500 por ano). Ou seja, estamos perante um desafio claro e inegável: há escassez de professores e tem de se encontrar uma resposta nas políticas públicas — sob pena de os alunos serem penalizados com longos períodos sem professor. Ora, se faltam professores, é preciso ir buscá-los algures: recrutar profissionais de outras áreas para leccionar nas escolas deixou de ser uma opção e ascendeu a necessidade incontornável.
O Ministério da Educação percebeu e agiu em conformidade: alargou a já existente contratação de escola para quem tem “habilitação própria”. Mas, no debate político, caiu-se num erro: olhou-se para esse alargamento da base de recrutamento de professores como um mal imposto unicamente pela urgência do contexto. Tenho lido inúmeros artigos de opinião e declarações sindicais a repudiar esta solução. E todos coincidem na ideia de que tal abertura representará uma degradação do ensino se implementada de forma alargada ou duradoura. Ou seja, alega-se que a qualidade das ofertas educativas nas escolas seria fortemente prejudicada por ter na sala-de-aula quem não passou pelas tradicionais formações de professores.
O meu ponto é que esse ângulo é enganador: pelo contrário, recrutar profissionais de outras áreas é uma oportunidade para as escolas assumirem poder de decisão sobre quem contratam, diversificarem os perfis de qualificações dos seus professores, alargarem o leque de conhecimentos à disposição dos alunos e abraçarem a inovação através de novas abordagens.
Vale a pena sublinhar a importância de duas dessas vantagens. Primeiro, dar às escolas um instrumento eficaz de selecção dos seus professores tornou-se imprescindível. Quando as escolas lidam com contextos tão distintos, alunos com necessidades tão díspares e projectos educativos tão diferenciados, torna-se injustificável a ideia de que as contratações têm de ser cegas ao perfil específico dos professores e decididas por um algoritmo que recompensa a antiguidade. Segundo, a diversificação de perfis na escola contribuiria para alargar o espectro de conhecimentos no seio das escolas — uma mais-valia de enorme potencial para a aprendizagem e ambiente nas escolas. De resto, sabendo-se que os cursos via Ensino atraem hoje maioritariamente candidatos com desempenhos académicos pouco competitivos, a abertura a profissionais de outras áreas seria também uma forma de tentar atrair para as escolas quem tem um perfil de qualificações mais competitivo.
Para estas vantagens se concretizarem, têm de ser asseguradas condições. Não são meros pormenores, são sim a chave da implementação. Os riscos existem e devem ser mitigados com um bom desenho de políticas públicas. Afinal, abrir as portas do ensino a outros profissionais é fácil (faz-se por decreto), o verdadeiro desafio consiste em assegurar a boa implementação da medida, olhando-a numa perspectiva de longo prazo, sob regras claras de elegibilidade e transparência.
Por exemplo, para salvaguardar a qualidade do ensino, importa que esses profissionais integrem um período experimental com frequência de formação pedagógica, assim como tenham de ser avaliados — dando às escolas os instrumentos para prescindir daqueles cujo desempenho não corresponda às expectativas. Noutro exemplo, para salvaguardar o bom uso da autonomia na contratação, importa que haja transparência e possibilidade de escrutinar os processos de recrutamento, de modo que essa monitorização previna situações desadequadas. Um último exemplo: a eficácia da medida depende directamente da existência de candidatos a dar aulas, pelo que há que tornar esta opção profissionalmente atractiva — seja dando um horizonte temporal para a entrada nos quadros, seja melhorando as condições de trabalho e progressão na carreira dos professores (recompensando o mérito). Nos detalhes reside sempre a diferença entre o sucesso e o insucesso.
O sentido de urgência (curto prazo) levou o Ministério da Educação a alargar a contratação nas escolas de profissionais de outras áreas para dar aulas (i.e. professores “com habilitação própria”, sem a graduação profissional). O princípio é positivo e a decisão merece ser elogiada. Mas, agora, o Ministério tem de dar o passo seguinte (longo prazo): fixar um conjunto de regras de enquadramento (transparência na contratação, formação pedagógica on-the-job e avaliação), que assegurem a eficácia da medida e a sua viabilidade futura. Se assim não acontecer, e se ocorrer uma implementação desorientada, esta experiência de reforço da autonomia das escolas poderá falhar e dar razão às críticas dos sindicatos. Eis um risco que as escolas, os alunos e o país não podem correr.