Com eleições marcadas para março, nos próximos meses deveríamos estar focados a discutir a melhor forma de reforçar a democracia, o estado social e a competitividade da economia. Infelizmente, como resultado dos últimos acontecimentos, as atenções vão ser demasiadas vezes desviadas para os meandros da Justiça.

Os casos judiciais são relevantes, mas o ponto fundamental é que o País carece de reformas em diversas esferas da nossa sociedade. Os baixos salários, a escassez de habitação a preços acessíveis, as insuficiências do sistema de saúde, a falta de professores e a morosidade da Justiça, são o resultado da inação da governação, do congelamento do investimento público e da alergia crónica a reformas estruturais, mesmo perante problemas previsíveis.

A manifesta incapacidade para resolver os problemas dos portugueses, aliada à partidarização do exercício do poder e à arrogância política, provocaram um forte aumento da desconfiança e do descontentamento. Neste pântano ético e social quem ganha são os extremos.

O resultado destes 8 anos de governação socialista poderá ser a consagração do Chega como terceiro partido mais votado, com uma expressão inquietante, considerando a sua imaturidade, o tom do seu discurso e a radicalidade e incongruência de algumas das políticas que defende.

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Mas a oposição ao Chega não se faz diabolizando esse partido, muito menos os seus eleitores. Faz-se resolvendo os problemas e os temas que preocupam os seus eleitores, como a imigração e a corrupção. Faz-se através de uma regeneração da democracia, em particular dos partidos centrais, a quem cabe apresentar programas mobilizadores, deixar entrar sangue novo e assegurar a ética dos candidatos que apresentam.

Perante esta realidade, o Partido Socialista, ferido e destrunfado, prepara-se para eleger um líder ainda mais polarizante, crente nos benefícios de uma nova geringonça. Seguindo a linhagem para a qual contribuiu, Pedro Nuno, continuará a romper com a história de moderação do Partido Socialista, ilustrada pelo combate de Mário Soares aos comunistas, preparando-se para radicalizar o partido, movendo-o para a esquerda, se necessário aliando-se ao BE e ao PCP.

Não sei se o estimado leitor concorda, mas, no meu entender, seria mau para Portugal voltar a ser governado por uma coligação instável, liderada por um Partido Socialista ainda mais inclinado para a extrema esquerda. Se esse for o caminho, restará um País com cada vez mais vulneráveis porque a economia não gerará riqueza suficiente para assegurar melhores salários, nem para sustentar um estado social eficaz na resposta aos grandes desafios dos nossos tempos.

Portugal só irá arejar a democracia se for capaz de se libertar de um partido que governou 22 dos últimos 28 anos, deixando o País num pântano moral, democrático e social, optando por uma economia estatizante e um regime partidarizado e opaco, em vez de construir uma sociedade aberta, uma democracia liberal e um regime plural e transparente.

Einstein disse que “não podemos resolver os nossos problemas com o mesmo pensamento que usámos quando os criámos”. Está, pois, na hora de encetarmos uma profunda renovação e regeneração democráticas, para restaurar a confiança e o progresso, pondo água na fervura dos populismos que se alastram.

Na teoria, esta seria uma oportunidade única para o PSD. O seu principal adversário político dos últimos anos pediu a demissão e irá afastar-se, pelo menos temporariamente, da arena política. As circunstâncias que motivaram essa demissão envolvem outros membros do Governo. O presumível próximo líder do PS não terá muito tempo para consolidar a sua imagem, nem para se desvincular das trapalhadas do anúncio prematuro de um novo aeroporto ou da indeminização a Alexandra Reis aprovada pelo WhatsApp. Mas o PSD teima em não descolar e o Chega tornou-se no principal beneficiário deste caos.

Por todas estas razões, ao dia de hoje, parece impossível que o PS ou o PSD possam atingir uma maioria absoluta, sendo provável que as próximas eleições resultem num governo minoritário de um destes partidos, possivelmente em coligação com outros.

Esse governo minoritário poderá beneficiar de alguma estabilidade temporal, porque, depois da queda de um Governo a meio da legislatura, o povo não compreenderá que qualquer partido atire o País outra vez para as urnas sem uma justificação plausível. No passado, quem o fez foi fortemente penalizado.

No entanto, apesar de poder beneficiar de alguma estabilidade temporal, um governo minoritário enfrentará enormes dificuldades para implementar reformas robustas devido à constante necessidade de obter apoio parlamentar. Essa limitação será especialmente negativa quando precisamos de responder de forma decisiva aos desafios demográficos, geopolíticos, económicos, sociais, climáticos e tecnológicos que atravessamos.

Na antecâmara do cinquentenário do 25 de abril, Portugal está numa encruzilhada política. A desconfiança e o descontentamento alastram-se. O sistema partidário transforma-se e polariza-se. Os extremos crescem e autoalimentam-se. A governabilidade é uma miragem. O desenvolvimento está ameaçado. A credibilidade internacional encontra-se ferida.

Mas o País resistirá e persistirá, como sempre. Nas primeiras décadas da nossa democracia, sob a liderança política e alternada do PS e do PSD, concretizámos feitos notáveis, entre os quais a edificação do regime democrático, a entrada na comunidade europeia, a universalidade e gratuitidade do ensino público e do serviço nacional de saúde. Mas, nos últimos anos, abandou-se o espírito reformista, e o regime cristalizou, estagnou, envelheceu, trocou o futuro pelo presente e abdicou de investimentos e reformas focadas na criação de valor de longo prazo, em áreas como a economia, a justiça, a saúde, a educação e os transportes.

Sob a égide socialista, estagnámos no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas e caímos nos principais índices internacionais de democracia, corrupção, facilidade de fazer negócios (World Bank) e até no PISA, o principal ranking de educação.

As escolas públicas abandonaram os lugares cimeiros dos resultados escolares. Na saúde permaneceram as listas de espera para consultas, tratamentos, exames e cirurgias, e continuam a existir mais de 1,5 milhões de portugueses sem médico de família. Na justiça continuamos com uma taxa de congestão dos tribunais superior a 150% e não se reforçou suficientemente o ministério público para combater a corrupção.

A governação dos últimos anos ficou também marcada pelo desprezo pela independência das instituições democráticas. O Relatório Global sobre o Estado da Democracia do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Social (IDEA) revela que Portugal foi o único país da Europa Ocidental que registou uma queda em três dos parâmetros que medem a qualidade das democracias: a independência judicial, a ausência de corrupção e a igualdade perante a lei.

Com eleições em março, estamos diante de uma nova oportunidade para moldar o próximo capítulo da nossa história. O caminho para um futuro mais promissor dependerá da escolha do povo soberano. Será tanto melhor quanto maior for a capacidade de distinguir a demagogia e o soundbyte populista das propostas políticas concretas, de preferência baseadas em casos internacionais de sucesso.

No palco das urnas, entre os malabarismos da Justiça e a dança do populismo, resta-nos esperar que o povo opte por um espetáculo menos trágico e mais promissor para o nosso futuro coletivo.