No início de julho foi notícia a criação dum projeto-piloto de partilha de dados em saúde dos utentes do SNS com as instituições prestadoras de cuidados de saúde do grupo CUF, com a maioria das reações emocionais centradas, ora na instigação do medo do furto de dados pessoais, ora na já habitual paradonga da “privatização do SNS”. A ideia da criação dum registo de saúde, eletrónico e universal, não é nova, e já motivou há largos anos a criação do Registo de Saúde Eletrónico (RSE), que partilha os processos clínicos informatizados entre instituições do SNS — ainda que com ainda muito deficiente integração de várias unidades hospitalares, comprometendo a sua verdadeira função.

A Iniciativa Liberal foi pioneira na promoção da universalização real do RSE, através da sua expansão a todo o sistema de saúde, ou seja, para lá do SNS. A medida da criação dum registo de saúde universal (RSU) surgia no Programa Eleitoral de 2022, foi levado a votação na Assembleia da República (Projeto de Resolução n.º 130/XV/1.ª, rejeitado a 30 de junho de 2022 com os votos contra de PS, PCP e BE) e incluído na proposta duma Nova Lei de Bases da Saúde — SUA Saúde- (Projeto de Lei 859/XV/1, também rejeitada em votação plenária a 29 de setembro de 2023 com os votos contra de PS, PSD, PCP, BE, PAN, L).

Em todas as iniciativas, a IL atendeu a cuidados essenciais para a proteção de dados que são pessoais, sensíveis e valiosos, colocando sempre o utente no centro do modelo proposto enquanto proprietário e gestor último da sua própria informação clínica — através da atribuição dos direitos de conceção ou recusa do acesso aos dados, mediante autenticação e com direito de revogação a todo e qualquer momento. Atribuir-se-ia, assim, uma extensão dos direitos dos utentes já existentes no âmbito do RSE ao novo registo universal em todo o sistema de saúde.

Apesar dos votos contra do Partido Socialista nas duas iniciativas legislativas liberais que promoveriam a criação dum RSU, o anterior governo iniciou trabalhos com a SPMS em março de 2023 no sentido da criação dum registo de saúde universal com o objetivo de expandir a sua aplicação, não apenas às instituições estatais de saúde, mas também aos atores do setor privado e social. É no seguimento deste trabalho que o atual governo anuncia a criação do projeto-piloto com a CUF — entretanto contestado por outras instituições privadas pela sua abrangência limitada nesta fase inicial de testes.

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A este ponto ficou já claro que a iniciativa primeira da criação dum Registo de Saúde Universal partiu da Iniciativa Liberal e que, apesar de chumbada pelo PS (e, indiretamente, pelo PSD) na anterior legislatura, os governos de ambas as cores políticas acabaram por dar razão aos Liberais. Mantêm-se, contudo, duas questões:

1.Para que serve um Registo de Saúde Universal?
A criação do Registo de Saúde Eletrónico entre as instituições do SNS resolveu uma dificuldade na prática de cuidados de saúde seguros, ao permitir que profissionais de saúde de diferentes instituições e de distintos níveis de cuidados pudessem ter acesso ao percurso total do utente no sistema público de saúde. Tal é essencial para garantir uma continuidade de cuidados, maior segurança e reduzir a redundância de intervenções diagnósticas e terapêuticas — com poupança de recursos financeiros, humanos e materiais e evitando eventuais consequências negativas para o utente.

A expansão deste registo para as instituições do setor privado e social garante as mesmas vantagens, alargando o seu âmbito e permitindo que o utente seja atendido com maior conhecimento do seu percurso clínico, de exames e terapêuticas previamente realizadas e permitindo uma potencial melhoria da qualidade dos cuidados prestados.

2. É seguro partilhar dados do SNS com “os privados”?

Tudo dependerá do modo como seja operacionalizada a criação do RSU e dos mecanismos de segurança associados. Se for garantido que o utente é o único proprietário dos seus dados em saúde, que lhe caberá o consentimento (ou a sua revogação) para o acesso aos mesmos nas diferentes instituições — idealmente, através de autenticação de elevada segurança e permitindo acessos diferenciados de acordo com a instituições e o momento em que são acedidos — e com registo contínuo dos acessos, não há nada a temer.

Cabe à SPMS conseguir uma solução tecnológica que permita todos estes mecanismos de segurança de dados, e às entidades reguladoras da saúde e de dados pessoais o cumprimento dos mesmos.

Podemos, finalmente, caminhar no sentido dum sistema de saúde verdadeiramente universal, integrado e cooperativo e que coloque os interesses dos cidadãos em primeiro lugar. Ou podemos ficar reféns de preconceitos ideológicos ou de receios infundados sobre segurança de dados.

Cabe a cada um de nós escolher o caminho. Dada essa opção, estou certo que a extensa maioria dos profissionais de saúde e, sobretudo, dos utentes, agradecerá que sigamos em frente.