Nos últimos dias temos assistido a uma agenda política cheia: ora são arruadas; ora são idas à feira; ora são visitas às instituições; ora são debates. Cheia de expectativas, de ambições e de problemas também. As autárquicas são um momento verdadeiramente importante para a vida das comunidades, o momento em que se elegem os rostos do poder de proximidade.

É esta mesma proximidade que faz com que os municípios tenham ao seu dispor, entre outras atribuições, domínios nas áreas da educação, da saúde, da ação social ou da defesa do consumidor e é exatamente nestas matérias que o nutricionista pode e deve participar ativamente e introduzir o conceito de “alimentação em todas as políticas”.

Conceito este que queremos que saia do papel, que passe pelas propostas agora apresentadas pelos candidatos e que se transforme em ações reais dos futuros presidentes de Câmara. Uma vez que, com a transferência de competências para as autarquias, pela Lei nº 50/2018, de 16 de agosto, há já três anos, o Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro concretizou o quadro de transferência de competências ao nível da alimentação escolar para os municípios e o Decreto-Lei n.º 23/2019 estabeleceu-os como “parceiros estratégicos do SNS nos programas de prevenção da doença, com especial incidência na promoção de estilos de vida saudáveis e de envelhecimento ativo”, com competências ao nível da promoção da alimentação saudável e de prevenção de doenças.

A questão que o leitor coloca agora, imagino, é “como podem as autarquias pensar a forma de comer dos seus munícipes”? E esta resposta, ou respostas, terão de passar obrigatoriamente por políticas alimentares que podem e devem ser criadas com o propósito de coordenar ações com o objetivo de capacitar os cidadãos para uma alimentação saudável e sustentável e criar ambientes salutogénicos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Importa, agora mais do que nunca, encontrar formas de utilizar o poder público local para prevenir doenças relacionadas com a alimentação, reduzir a insegurança alimentar, promover o desenvolvimento económico local e reduzir a pegada ecológica relacionada com a alimentação para melhorar a saúde da população e reduzir as desigualdades na saúde.

Pressionados pelas organizações da sociedade civil, os autarcas assumem, assim, as responsabilidades que têm para estabelecer políticas que tornam mais fácil aos cidadãos fazer escolhas alimentares mais saudáveis. Aliás, foi no ano de 1999 que a legislação transferiu novas atribuições e competências às autarquias (Lei n.º 159/99 de 14 de setembro e Lei nº 169/99 de 18 de setembro), num conjunto alargado de áreas relacionadas com a intervenção do nutricionista. E aí surge a presença do nutricionista na autarquia. Assim, foi também em 1999 que pela primeira vez um nutricionista integrou o quadro de uma câmara municipal, seguindo-se outros municípios, contribuindo para um papel essencial na dinâmica alimentar das autarquias, com funções que vão desde a alimentação escolar, à ação social, até ao auxílio na elaboração de políticas alimentares locais.

E a verdade é que o papel do nutricionista nas autarquias tem vindo a ser reconhecido. Este verão, a Ordem dos Nutricionistas encetou um estudo junto dos municípios, no qual se concluiu que mais de 30% tem pelo menos um nutricionista, o que, comparativamente com os 10% registados em 2015, é, de facto, uma conquista. Uma conquista, mas não uma vitória, uma vez que este número fica aquém do desejável e que se espera poder contar com, pelo menos, um nutricionista por autarquia.

Basta olharmos para os exemplos das grandes cidades do mundo para percebermos que a alimentação saudável e o poder autárquico caminham lado a lado e que os nutricionistas são, de facto, os agentes de mudança que podem conduzir-nos a um melhor destino. Nova Iorque, por exemplo, criou a figura do coordenador da política alimentar, que tem como propósito desenvolver e coordenar iniciativas de promoção da alimentação saudável para todos os nova iorquinos e, consequentemente, reduzir o risco de doenças relacionadas com os hábitos alimentares inadequados. Bem mais perto, em Londres, foi constituído um conselho para a alimentação da cidade, que teve como principal objetivo aconselhar o presidente da câmara sobre as questões da alimentação, nomeadamente no que toca à saúde, à pobreza, e até mesmo à sustentabilidade alimentar, e que resultou em projetos como hortas urbanas, campanhas de educação escolar, mercearias sociais, entre muitos outros. Por cá, crescem os bons exemplos da intervenção dos nutricionistas nas autarquias.

Espera-se que o caminho, nos municípios nacionais, passe também por políticas alimentares consistentes e com resultados palpáveis. Independentemente do cabeça de cartaz de cada autarquia, e dos eleitos que conheceremos já no próximo domingo, dia 26 de setembro, espera-se que a alimentação escolar, a educação para a saúde, a ação social e a insegurança alimentar, bem como a valorização da produção alimentar local, possam sair do papel e traduzir-se em ações concretas. Serão quatro anos de governação de proximidade em que os autarcas poderão contar com os nutricionistas para construir políticas alimentares locais, preservar a dieta mediterrânica e garantir um bom legado alimentar, pela saúde de todos.