Eu não desgosto do dr. Rio. Gostei dele quando foi presidente da Câmara do Porto. Pôs ordem nas contas da autarquia, que eram uma miséria. Não cedeu à chantagem do lóbi “cultural” para gastar os recursos dos contribuintes em “projectos” de interesse duvidoso. Numa cidade pequena como é o Porto, onde toda a gente se conhece ainda, isso pode ser ainda mais difícil do que em Lisboa. Também não cedeu na intervenção sobre os bairros sociais, apesar dos ataques que isso lhe trouxe da parte da esquerda radical, que adora guetos. E, sobretudo, não teve medo de enfrentar o todo-poderoso Jorge Nuno Pinto da Costa e o Futebol Clube do Porto, quando fechou as portas dos Paços do Concelho aos festejos do clube e fez questão de acabar com a promiscuidade entre política e futebol que, em Portugal, substituiu a velha aliança entre o poder e a sotaina. Ao contrário do que muitos vaticinavam ou temiam, isso não lhe custou o apoio popular: depois da primeira eleição, ganhou mais duas.
Mas agora parece que o homem não aprendeu nada com a sua própria biografia. Desde o princípio que o dr. Rio estava condenado a perder as eleições de 2019: o diabo tarda e os portugueses têm muita vontade de acreditar no dr. Costa. Nunca o PSD poderia ganhar estas eleições, fosse quem fosse o seu líder, e as afirmações em contrário servem apenas o combate partidário. Mas há muitas maneiras de perder e ele escolheu a pior: perder com ar de quem está a tentar sobreviver. Não se pedia que fizesse como os samurais e perdesse morrendo. Mas podia perder com “dignidade”, como se costuma dizer. Sem pedir nada. Sem ceder nada. Ninguém lhe pedia que viesse para a rua queimar carros. Chegava esclarecer o que pensa sobre minudências como a natureza do SNS, as 35 horas da função pública, a troca do investimento público por salários, o destino da TAP e da CP, as subidas dos impostos indirectos. E, já agora, não ter ido a correr cumprimentar o dr. Costa nem fazer de conta que os anos da troika não eram nada com o partido dele. É que não serve de nada ganhar eleitores ao centro se, para isso, alienar os que nem em 2015 arredaram pé. São esses que dão identidade ao partido.
O dr. Rio diz que é social-democrata e que não é de direita. É facto que a social-democracia nunca foi de direita. O problema do dr. Rio é que o povo do PSD também nunca foi social-democrata. O PSD proclamou-se social-democrata para salvar a pele a seguir à revolução, numa altura em que o CDS era perseguido à pedrada (e a tiro) por ser “fascista”. Alguns dirigentes do partido, vindos da oposição democrática não comunista e até do velho reviralho republicano, podem ter levado a sério a profissão de fé. Mas os militantes, as famosas “bases”, não. Santana Lopes sabia bem o que dizia quando falava no PPD/PSD, com ênfase no PPD: Partido Popular Democrático. Porque é isso mesmo que o PSD foi sempre: um grande partido popular, inter-classista, ligado às classes médias, avesso às ideologias. Enfim: um partido da direita liberal.
É difícil não falar do dr. Rio por estes dias. E é difícil não ter pena dele. Vir de tão longe para tão pouco.