“Precisamos de um movimento ambientalista, e tal movimento não é muito efetivo se é conduzido como uma religião”
Michael Crichton
Sacrifícios para agradar aos deuses, são férteis ao longo da história. Mas sacrificar veados, gamos e javalis para agradar à deusa mãe-terra? Estranha proteção ambiental, esta…
Azambuja, Quinta da Torre Bela, Dezembro de 2020. 16 turistas espanhóis (esta é uma zona de caça turística), batem um recorde: abatem nada menos que 540 animais. Orgulhosos de tal massacre, divulgam o feito nas redes sociais, provocando tamanha onda de indignação, que já têm a conta fechada. Indignação que, da esquerda à direita, chegou aos partidos políticos.
Efetivamente, abundam questões a responder sobre este episódio: a Câmara Municipal sacode a água do capote para o Instituto de Conservação da Natureza, este diz que não foi informado, os números, por si só, podem configurar crime contra a natureza, como decorreu, que controlo sanitário, o destino da carne, etc., etc., muito há para esclarecer.
Eu, não sendo caçador, tenho defendido a caça enquanto atividade rural, sustentável, com valor sociocultural, e pelas positivas externalidades que, bem gerida, proporciona ao ambiente. Mas só um lunático chamaria a isto conservação. Ou até caça, como muitos caçadores lusos têm advertido, visto tratar-se de um ato que também a eles envergonha.
Não obstante, a contestação à caça, por estes dias, sobe de tom. Compreensivelmente, os ambientalistas indignam-se. Pudera, não é preciso ser ambientalista para isso. Mas não será caso de contextualizar tudo isto? Fazendo-o talvez pudessem tirar algumas lições!
Vejamos: os animais estavam a atrapalhar o caminho da salvação do mundo: um eldorado solar para a Azambuja, um mega-parque com 775 hectares, um negócio de milhões. O projeto foi aprovado em Setembro. O Estudo de Impacto Ambiental ainda está, de momento, em consulta pública. Mas a coisa está em andamento: as árvores já foram cortadas e vendidas (já agora o processo de certificação deste produto é algo que também convém ser devidamente averiguado), os animais já vinham a diminuir, agora a eminência da sua saída – prevista no EIA – levou a isto (afinal, eram um ativo de muitos milhares de euros), e até a punição anunciada, a desclassificação da zona de exploração cinegética, vai ao encontro do pretendido — igualmente explícita no EIA.
Uma chacina de veados, gamos e javalis de legalidade duvidosa, uma enorme mancha florestal arrasada e perdida, em local assim destinado pelos instrumentos de gestão territorial em vigor, actividades de contacto e turismo de natureza, assim como paisagem, perdidos… Pode isto rimar com proteção ambiental?
Ou vamos entender de vez que não se pode ter sol na eira e chuva no nabal? Que não há empresas fofinhas e outras malvadas, antes que todas existem para fazer negócio, e as energias ditas limpas são um negócio como outro qualquer (com a agravante da obscuridade e das relações de dependência com a administração pública)? Que se não queremos lenha, ou gasóleo, ou barragens, ou centrais nucleares, para alimentar carros elétricos, telemóveis, aquecimento, etc., a energia tem que vir de algum lado? Que isto — matérias ambientais — não é uma questão de nós e eles, de radicalismo religioso, de 8 ou 80, mas sim a procura de equilíbrio, escrutínio, ponderação racional ou envolvimento?
Porque, parafraseando Crichton, a preocupação ambiental faz-nos falta, como episódios destes tão bem demonstram.