Hoje é sobre Alain Delon. A sua morte desafiou-me as memórias,  levando-me bem longe, ao que verdadeiramente interessa,  a vê-lo com outros olhos!

O Meeting de Rimini – onde reparei com surpresa que Durão Barroso esteve num painel, a defender que a pessoa não pode estar sujeita aos interesses económicos, melhor, “People must be at the Center of every economic policy”  –  tem na sua edição de 2024,  que terminou domingo, um título espetacular, cheio de ironia socrática. Obriga- me a uma resposta frontal, tanto quanto pelo menos a da pergunta que lança: se não procuramos o essencial, então do que andamos à procura?

A pergunta na sua simplicidade, acaba por encerrar uma complexidade. Afinal o que é essencial para mim, o que procuro?

Sou por isso obrigada a  voltar ao Delon, à minha adolescência, e por arrasto vou atrás, à minha meninice, tanto quanto posso, porque não sou boa de memória psicológica…

Essencial para mim chegaram a ser aqueles olhos azuis. Bastavam – me, mas deu-me muito trabalho: foi preciso recortar muitas páginas da Revista  Salut les copains. Para forrar paredes, cadernos, como se assim forrasse também o meu coração, que então – sei-o agora – ainda não sabia bem o que queria para o satisfazer …

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A cumplicidade com as minhas Copines de liceu dava – me a segurança de estar no bom “chemin”.

Éramos conhecidas no Liceu como as 7 mosqueteiras, as 7 magníficas e em versão Walt Disney, para consumo interno, eramos os 7 anões. Eu era o Dunga, ainda hoje um dos meus profiles!

Muito esporadicamente ainda nos encontramos para celebrar e viver a nossa amizade. O almoço de Natal, ou o encontro nas férias, curiosamente uma coisa que vejo recorrente em muitos lados, os amigos do liceu, as amigas daquela praia, etc etc. Uma espécie de em busca do tempo perdido, muitos vezes ao arrepio da plena alegria de viver…

Muito me entristece que nos apeguemos a um passado de Paroles, Paroles, Paroles! Afinal o que noz fez feliz no passado, só o foi porque hoje ainda o pode. What?

Sim, é preciso distinguir nas coisas que passam aquilo que fica, aquilo que não está sujeito ao tempo. A montante, é esta  a pergunta da Filosofia : será que tudo passa? Não haverá nada que fique!? E se há, o que é? Como poderei saber do que se trata?

A Filipa morreu há dias no dia de S. Bernardo! Não faz parte das 7 Mosqueteiras, mas de uma Companhia que tenho desde 87, e que já me levou várias vezes a Rimini ( acabo da saber o título da edição de 2025 do Meeting, uma frase do T. S. Eliot, Nos lugares desertos construímos com novos tijolos ) , e aos Dolomitas.

Ao longo da vida, e para além das amizades de sempre, vão surgindo novas amizades, e tudo se acomoda aos lugares do coração que assim vai tendo uma vida própria, única, tanto mais potente quanto mais poderoso  for o amor que vai recebendo, no máximo o amor incondicional que de graça tenho recebido.

A minha meninice deu-me a experiência do amor incondicional de Mãe, dom precioso e inestimável que é um privilégio nos dias que correm. Muitas e feias são as guerras que o roubam a quem não pediu para nascer. Outros ainda não o têm porque são produto de encomendas ideológicas que, esquecendo o facto de que “antes de serem já eram”, se põem a inventar uma vida “à medida”.

Medidas que erigem os caprichos em lei e se esquecem das razões que gritam o incondicional.

Mas volto ao meu Delon. Agora que já muito tempo passou, sou ainda eu que olho para ele, e nesse olhar vejo-me com o mesminho desejo de realização que então tinha. O mesmo grito a pedir de tudo o “je ne sais quoi” que preenche o vazio, a terra deserta e seca das coisas que passam sem nada me deixar.

Mas o tempo destas décadas que percorri não se reduz à ampulheta do vira o disco e toca o mesmo, ou à roda do eterno retorno que vi recentemente no filme Je rentre à la maison do Manoel de Oliveira.

Não que eu seja dotada de poderes especiais!

Simplesmente soube, e sei, no que me acontece, reconhecer o essencial, o que não passa.  O “único necessário”, ou “a melhor parte”, no dizer do Evangelho.

Reconheço-O nos que O reconheceram e por Ele deram a vida, como a Filipa, como Bernardo de Claraval.

Ao Alain e às minhas Copines agradeço a amizade que me mostrou que o meu desejo era maior do que uns olhos azuis, maior que as aventuras de adolescência. Já então eu, sem o saber, era sustentada pelo Senhor do tempo que tudo faz com novos tijolos.