O título deste artigo traduz uma célebre frase proferida por Herbert Hoover, 31º presidente dos Estados Unidos da América. E o tempo em que vivemos e a pandemia que hoje atravessamos pode significar um sinónimo disso mesmo. É essencial termos plena consciência de que as decisões que hoje tomamos irão impactar sobremaneira no médio-longo prazo daqueles que constituem e constituirão parte essencial do tecido social, económico e empresarial da sociedade.
Comecemos pelas crianças. De acordo com dados recentes da UNICEF e da Save The Children, e num contexto em que os países Europeus e Asiáticos serão os mais afectados, a crise atual pode provocar um aumento de 15% de crianças em situação de pobreza até ao final de 2020, num total de 86 milhões de crianças a nível global.
Para além disto, de acordo com um estudo da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health publicado na The Lancet, 1.2 milhões de crianças abaixo dos 5 anos estão em risco de vida, devido a alterações dramáticas nas rotinas de vacinação e alimentação, dado que muitas crianças dependem da alimentação providenciada pelas escolas para uma nutrição equilibrada.
A nível global, 188 países pararam as escolas (praticamente o mundo inteiro, dado que o total de países são 195), afectando 1.5 mil milhões de crianças, sendo que apenas 2/3 dos países introduziram mecanismos de ensino à distância. Este número decresce significativamente para apenas 30% nos países menos desenvolvidos. Se antes da crise 1/3 dos jovens entre os 5 e os 17 anos estavam digitalmente excluídos, a sua educação ficou severamente afectada, atrasada e condicionada.
Se evoluirmos no grau de escolaridade e pensarmos nos estudantes a concluir o ensino secundário e sobretudo do ensino universitário e que estão em vias de entrar no mercado de trabalho, o efeito é também ele pouco animador. As datas de início de trabalho foram adiadas, os estágios cancelados e as contratações postas em causa.
Pertencemos a uma geração que chegou à vida ativa durante a crise das dívidas soberanas e que se encontra agora, nem 10 anos volvidos, na soleira de uma nova crise económica. Os números indicavam, já antes da pandemia, que apesar de sermos uma geração mais qualificada que a dos nossos pais, viveríamos em piores condições económicas. A perspectiva era assustadora. E não melhorou.
De acordo com um estudo da Universidade de Califórnia Berkeley no Financial Times, os estudantes que entraram no mercado de trabalho depois da crise financeira de 2008 têm uma situação mais precária, tanto ao nível de emprego, como de salário, já fazendo uma análise 10 anos depois da crise, comparando com grupos de jovens que acabaram os seus estudos antes da crise financeira de 2008 ou em anos seguintes. E a expressão de que a história se repete novamente é por demais evidente, uma vez que esta análise e resultados já se haviam verificado nos anos 80, após as crises petrolíferas de 1979.
Para além disto, apenas nos EUA, e particularizando a indústria do turismo, hotelaria e restauração, segundo dados apresentados na Vox, perderam-se quase meio milhão de postos de trabalho, sendo que 16% destes trabalhadores têm menos de 20 anos, e quase 60% têm entre 20 e 44 anos. Dando um outro exemplo, postos de trabalho nas indústrias relacionadas com as artes, cultura, entretenimento e desporto, também elas severamente afectadas pela crise, refletem uma realidade de relevância e contribuição dos jovens semelhante.
Se transpusermos agora para a realidade portuguesa, segundo dados do INE em recente artigo no Observador, uma “queda de atividade do turismo de 25% este ano poderá provocar uma redução de 2,9% no PIB em 2020”. De acordo com o Turismo de Portugal, este setor é “a maior atividade económica exportadora do país, sendo responsável, em 2019, por 52,3% das exportações de serviços e por 19,7% das exportações totais, tendo as receitas turísticas registado um contributo de 8,7% no PIB português.”
Fazemos parte de uma geração de emigrantes, de precários, de rendimentos estagnados, de pouco crescimento, que não tem dinheiro para viver sozinha e criar família, e que tem dúvidas se vai ter reforma.
Apresentamos estes números e desenhamos este cenário para ilustrar o seguinte: decisões estruturais tomadas hoje sem uma participação activa desta geração, sem tomar em consideração o seu contexto, os seus desafios e as suas sensibilidades, estão condenadas ao fracasso. Se há tempo para uma grande jornada intergeracional de resolução de problemas, esse tempo é hoje.
O debate sobre o mundo que teremos após esta pandemia vai marcar a agenda do 2º semestre de 2020, assim que ultrapassarmos a sensação de urgência de saúde pública e nos centrarmos no país que restou e nos próximos passos a tomar.
Tendo em vista demonstrar a importância dos contributos desta geração para a construção, evolução e desenvolvimento da sociedade portuguesa, os Global Shapers Lisbon Hub e os 100 Oportunidades enviaram, no final da semana passada, uma carta aberta e documento intitulados “50 Medidas para um Debate Intergeracional de Fundo na Sociedade Portuguesa pós COVID-19”, para o Governo e respectivos Ministros e Secretários de Estado, envolvendo o contributo de mais de 80 jovens com menos de 35 anos, especialistas nas suas áreas.
Propomos 50 medidas em várias áreas da sociedade, para serem tomadas em linha de conta, debatidas e discutidas com a presença da nossa geração. As áreas reflectidas são: Economia & Transição Digital, Finanças, Saúde, Indústria e Comércio, Sustentabilidade & Ação Climática, Ciência & Investigação, Educação, Desporto, Cultura, Igualdade & Inclusão, Direito & Justiça, Trabalho & Solidariedade Social, Habitação, Infra-Estruturas e Arquitectura, Comunicação & Media.
É com prazer e orgulho que coordeno, em conjunto com o João Marecos, este documento e este grupo magnífico, e que funciona como um registo de presença, de empenho e dedicação ao nosso país e de compromisso da nossa geração para um futuro que tem de ser desenhado em conjunto.
Estamos cá para discutir economia, cultura, saúde, educação, direitos humanos ou desporto, porque lhes dedicamos o nosso estudo, o nosso trabalho, a nossa vida.
Diogo Almeida Alves viveu em 4 continentes e 9 países, e hoje trabalha com grandes empresas, multinacionais, startups e investidores, na área de transformação digital com a marca The Orange. Para além disso, acredita no empowerment e desenvolvimento de competências das pessoas através da inovação e artes, transposto no seu projecto The Human Story. É ainda co-fundador da TippingUp, uma plataforma de media, educação, comunidade e policy que se foca no desenvolvimento de conteúdos, programas de formação, relatórios e estudos de impacto para endereçar temáticas globais. Diogo é autor do livro “Binómio Tecnologia e Sustentabilidade, contributor para a Enciclopédia dos ODS das Nações Unidas publicada pela Springer Nature e Director da Associação Federal Alemã de Sustentabilidade. É o atual Curador dos Global Shapers do Fórum Económico Mundial em Lisboa, sendo co-responsável pelo projecto 100 Oportunidades.
Nota Global Shapers – O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.