Manuel de Lucena era um pensador, um erudito, um historiador e um verdadeiro cientista político (a não confundir com opinadores caucionados com um título académico). Era um personagem extraordinário, excêntrico, de uma cultura tão vasta, profunda e diversa que quase intimidava, embora nunca lhe tenha notado sequer um trejeito arrogante.

Era um colega sempre disponível para esclarecer a minha ignorância. Era um conversador incansável e um contador de histórias que não acabavam. E era um dos dois ou três maiores intelectuais portugueses contemporâneos. Passou desde jovem pela política, e duas ou três vezes na vida deixou-se tentar pela acção. Mas o seu mundo era o da escrita e dos livros.

Recordo-o sobretudo como colega e académico. O Manuel tinha da Academia (onde nunca teve paciência nem interesse em adquirir altos graus académicos) uma visão “arcádica” – no mais genuíno e sério sentido da palavra – que nunca deixou de cultivar. No velho GIS de Adérito Sedas Nunes, e depois no ICS (uma unidade orgânica da Universidade de Lisboa), manteve inalteravelmente a postura de quem achava que o ócio, a conversa e a solidão eram condições para aprender a pensar e desenvolver um pensamento criativo, isto é, susceptível de contribuir para elucidar o mundo.

Nunca mudou, mesmo ou sobretudo quando a Universidade se começou a industrializar, e a chamada produção científica, traduzida em catadupas de artigos e livros colectivos, se ia parecendo cada vez mais com uma cadeia de montagem. Nunca teve uma simples máquina de escrever; escrevia à mão os seus textos seminais. Começou muito cedo a já não pertencer a este “admirável mundo novo”, de que por fim se encontrava já totalmente divorciado. Tenho saudades de Manuel de Lucena e do mundo que ambos perdemos.

Investigadora-coordenadora do ICS

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