Don’t let the noise of others’ opinions drown out your own inner voice”, Steve Jobs

Recorrentemente, somos confrontados com notícias que mostram que Portugal é um dos países do mundo onde a saúde mental apresenta piores indicadores, fenómeno preocupante e que deveria merecer, de todos, a máxima atenção. A reboque desta discussão, nas últimas semanas apercebi-me que o tema serve de desabafo em redes sociais como o Twitter e LinkedIn, onde passou a ser motivo de empatia a partilha aberta de certas fragilidades ou experiências passadas. Curiosamente, nenhum desses desabafos explora um dos fenómenos mais preocupantes dos nossos tempos: o impacto das redes sociais na saúde mental e na sociabilidade dos internautas excessivamente expostos às suas interações, tema que tive oportunidade de discutir no início deste ano, num seminário que teve lugar em Peniche, em debate com o Professor Rui Miguel Costa, do ISPA, sobre as implicações do Metaverso.

Este não é, em qualquer caso, um tema novo, sendo vários os autores que, nos últimos anos, têm alertado para os perigos que as redes sociais representam para o equilíbrio psíquico dos usuários. O mais mediático será provavelmente, Tristan Harris, ex-funcionário do Google que, entretanto, se tornou um dos maiores críticos da forma como temos vindo a desenhar as redes sociais. Co-fundador do “Center for Humane Technology”, Tristan Harris tem vindo a denunciar como as redes sociais são projetadas para serem viciantes, e os impactos negativos que tal pode ter na saúde mental. Harris explica com detalhe como as redes sociais são projetadas para serem aditivas, e como são preparadas para maximizar o tempo que os internautas despendem nas suas interações, num conceito que batizou de “capitalismo de atenção”. Para manter os usuários conectados, as redes sociais usam várias táticas de design de produto, como notificações constantes, a mecânica de “scroll infinito” e táticas para a libertação de dopamina associada aos “likes” e comentários: tudo é desenhado para estimular comportamentos aditivos. Harris defende, ainda, que as redes sociais são pensadas para distorcer a perceção temporal dos usuários, fazendo com que passem mais tempo nas plataformas do que originalmente planearam. As redes sociais são também estruturadas para contribuir para a polarização e a desinformação, ao mostrar aos usuários conteúdo que reforça as suas crenças e opiniões preexistentes, um fenómeno conhecido como “câmaras de eco” (ideia igualmente explorada por Eli Pariser, no seu livro, “The Filter Bubble: What the Internet Is Hiding from You”). Por tudo isto, Harris sugere que o uso excessivo das redes sociais tem contribuído para problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e baixa autoestima. Tal pode ser exacerbado pela comparação social, cyberbullying e pela sensação de que se tem de estar sempre conectado e disponível (num fenómeno muitas vezes designado de “FOMO” ou “fear to miss out”). Essas ideias foram amplamente discutidas no documentário “The Social Dilemma” no qual Tristan Harris teve um papel importante. O documentário destaca muitos dos problemas associados ao uso de redes sociais e encoraja os espectadores a repensarem a sua relação com a tecnologia.

Num outro ângulo, Sherry Turkle, professora no Massachusetts Institute of Technology (MIT) tem vindo alertar para a forma como a tecnologia, particularmente a internet e as redes sociais, estão a mudar a forma como nos relacionamos e nos percebemos. No seu livro, “Alone Together”, Turkle explora uma das ideias mais fortes destes tempos de hiperconexão, a ideia paradoxal de que, embora a tecnologia nos possa ligar de forma expressiva, nunca como hoje as pessoas se sentem tantas vezes isoladas e sozinhas, mesmo quando estão “conectadas”, on-line. Turkle considera que tal resulta de uma “ilusão de companhia”, pois se por um lado as redes sociais facilitam que tenhamos centenas ou até milhares de “amigos”, essas conexões muitas vezes não têm a profundidade e a intimidade das interações reais, nem as exigências próprias de uma amizade não virtual. Turkle analisa, ainda, como a tecnologia permite que as pessoas apresentem uma versão idealizada de si mesmas, online, o que conduz a comparações sociais prejudiciais e a uma desconexão entre a identidade online e a verdadeira identidade, trazendo com isso problemas de identificação e frustração na confrontação com o real. Turkle argumenta, finalmente, que o uso excessivo da tecnologia, particularmente entre os jovens, pode ter um impacto negativo no desenvolvimento da empatia e das habilidades sociais. A falta de contacto face a face, entre outros aspetos, pode dificultar a capacidade de ler e responder apropriadamente às emoções dos outros (neste contexto, Jean Twenge, no seu livro “iGen”, explora como as redes sociais e os smartphones estão a afetar a saúde mental dos jovens da “geração iGen”, dos nascidos entre 1995 e 2012, traçando um cenário deveras preocupante).

As redes sociais têm tido um efeito pernicioso, ao permitirem aos usuários a criação de uma ilusão de pertença a mundos que não são “os seus”. Redes sociais como o Instagram ou o LinkedIn servem para que muitos usuários criem relações comunitárias e de empatia, à volta de interesses comuns, ou de mero seguidismo, com pessoas que, no mundo real, vivem num contexto de sucesso que não é, porém, nem poderia ser, o de todos. A ideia de que, interagindo no LinkedIn ou no Instagram, construímos algo para nós, palpável e consequente, um estilo de vida semelhante ao dos que fazem parte da “nossa” rede, leva a que muitos, quando confrontados com a realidade, e por comparação com terceiros, acumulem sentimentos de frustração, infelicidade, tristeza e, seguramente, muitos problemas do foro da saúde mental. Nos últimos anos, não são poucas as pessoas com quem interajo que criaram nas redes sociais versões idealizadas de si mesmas, a partir de comparações com pessoas que lhe são referenciais. Nada disto seria um problema se os usuários não alimentassem, a partir das suas navegações, expectativas irrealistas, sobretudo a ilusão de que há um mundo ao qual deveriam pertencer, por direito, mesmo que vivam alienados no universo virtual, sem nada construir, e de que todos temos de, permanentemente, mostrar que estamos a alcançar grandes sucessos, distorcendo o que é “normal” ou “alcançável”. Isto pode ser particularmente problemático no LinkedIn ou no Instagram, onde completas trivialidades são apresentadas como grandes conquistas, e onde várias pessoas projetam uma ilusão de sucesso que não tem qualquer expressão naquilo que é a sua vida profissional ou pessoal (com tudo o que isso implica em termos de destruição da auto-estima e da frustração de expectativas). No fundo, as redes sociais vieram banalizar e disseminar pequenos Roquentins mas sem o glamour do original, gente banal, alienada e desconectada do mundo (embora permanentemente conectados) que se confrontados com as dissonâncias entre a realidade da própria vida e as versões idealizadas de si mesmas, entram em estado de “náusea” existencial, num fenómeno que, desconfio, faria corar de vergonha o próprio Sartre (o qual, imagino, não gostaria de ver o seu existencialismo tão democratizado).

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Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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