Bruscamente, ficamos em estado de choque com a morte de uma menina de 3 anos de idade, por abandono familiar e maus-tratos.
Tirando o lado particularmente subdesenvolvido das rezas e bruxarias, também na violência sobre as crianças não constituímos exceção aos modelos familiares e outros países europeus.
Se atentarmos no que dizem os relatórios da UNICEF, vivemos num mundo onde 80 por cento dos pais batem nos filhos e duas em cada três crianças no mundo, com idades compreendidas entre os 2 e os 14 anos (quase mil milhões), são sujeitas a maus-tratos físicos por pessoas que cuidam delas.
Nos EUA, por exemplo, 94 por cento dos pais de menores entre os 3 e os 4 anos admitem ter-lhes batido, enquanto 76 por cento dos pais e 65 por cento das mães concordam que, por vezes, se torna necessário recorrer a uma palmada.
Os maus-tratos têm, como início, a punição ou o castigo corporal, ainda socialmente aceitável em muitas famílias, que recorrem à sua prática, a fim de controlar comportamentos indesejados, esquecendo que infligem dor e medo na criança ou no jovem.
A punição, no âmbito familiar, espelha a raiva e o desespero dos pais por não saberem agir nos momentos mais inesperados que se lhes deparam, mostrando-se incapazes de encorajar os filhos e compreender o que é esperado deles, sem o usarem violência, a qual, nunca costuma esconder a própria violência doméstica, na prática reiterada de maus-tratos físicos ou psíquicos,
Quando a violência se afigura extrema e a moldura penal não se mostra adequada para prevenir comportamentos cada vez mais desumanos e perversos, a solução mais usada pelos países é a de endurecer as penas de prisão. Assim o fez o governo do Reino Unido, ao aprovar a «Lei de Tony», depois dos apelos de Paula e Mark Hudgell, pais adotivos de Tony Hudgell, para uma mudança na lei que punisse os maus-tratos a menores. O caso passou-se com um menino britânico, de nome Tony Hudgell, um bebé de 41 dias, por haver sido barbaramente agredido pelos seus pais biológicos. Das agressões resultou a amputação das duas pernas, hoje tem sete anos de idade e vive, irremediavelmente incapacitado. Em fevereiro de 2018 os seus agressores e pais biológicos foram condenados à pena máxima prevista na lei penal, ou seja, dez anos. Se o seu julgamento tivesse ocorrido agora, em 2022, a pena a decretar poderia ser a de prisão perpétua.
Em Portugal não é aplicada a prisão perpétua em situação alguma, porquanto, em 1884, fomos pioneiros na abolição desta pena. Nesse sentido, consagra o artigo 30.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa o seguinte: «não poderá haver penas ou medidas de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, nem de duração ilimitada ou indefinida.»
Na maioria dos países europeus os códigos penais contemplam a pena de prisão perpétua no seu ordenamento jurídico, mas com a possibilidade de ser revista, beneficiando o condenado de liberdade condicional ou mesmo de algum tipo de indulto (perdão).
Com possibilidade de liberdade condicional, após um período mínimo de cumprimento da pena, encontram-se países tais como a Alemanha, Bélgica, Itália, França e Reino Unido. Neste último, o período mínimo de prisão para casos graves, designadamente o homicídio perverso de menores, é de 30 anos.
A Espanha seguiu, em 2015, a corrente europeia para um «direito penal mais musculado», ao introduzir a prisão perpétua com possibilidade de revisão para crimes extremamente graves, para punição dos quais os cidadãos exigiam uma sentença proporcional ao ato cometido. Ampliou-se assim a moldura penal para os crimes de homicídio, genocídio, rapto, sequestro e terrorismo, entre outros.
O alargamento do quadro penal permite que os tribunais possam fixar a condenação mais adequada às exigências do caso concreto, impondo uma pena de prisão de duração indeterminada (prisão perpétua), porém sujeita a um regime de revisão, após o cumprimento de uma parte relevante da condenação, cuja duração dependerá do número de crimes cometidos, da natureza e gravidade dos mesmos, e, depois, dos relatórios dos serviços prisionais (contendo a avaliação da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena) e dos relatórios dos serviços de reinserção social (contendo a avaliação do enquadramento familiar, social e profissional e as condições a que o recluso deverá sujeitar-se).
O Tribunal Penal Internacional, reconhecido por sessenta países para julgar crimes graves que ponham em causa a comunidade internacional, aplica a prisão perpétua com possibilidade de liberdade condicional depois de cumpridos vinte cinco anos de pena. Seguindo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, considera que a pena de prisão perpétua é válida e não viola nenhum direito fundamental do condenado, mas, após um máximo de vinte cinco anos, deve ser apreciada a possibilidade de concessão de liberdade condicional.
Seja como for, defenda-se ou não a prisão perpétua para a criminalidade violenta, o momento atual deixa-nos pouco confiantes na justiça penal. E sem confiança na justiça (em toda a justiça) a democracia é uma farsa.