Por muito paradoxal que possa parecer, a verdade é que a Igreja apresenta à Humanidade a melhor proposta sobre a vida. O dia 15 de Agosto, festa da Assunção, não pode passar despercebido. Para cada um de nós se comemora neste dia a vitória sobre a morte. Fomos destinados a viver para sempre. O dogma da Assunção de Nossa Senhora mostra a estrada que tenho pela frente!

É certo que tal proposta nem sempre foi bem apresentada. Muitas vezes por uma Pastoral mal cuidada, outras por uma Teologia pouco clara. Ao que não ajudou a ideia do martírio como um valor a incentivar a desvalorização do corpo, esquecendo-se que nesses casos — de S. Pedro aos mártires contemporâneos por perseguição religiosa –  se tratou antes de dar a cada coisa o seu lugar, de  ser “testemunho da verdade” ( que é essa a etimologia de “mártir”).

Em todos os casos a homologar uma visão negativa do corpo, que aqui quero contrariar, para dizer a maravilha que é termos sido criados assim, para viver dia-a-dia sem reducionismos.

Não vou focar-me em aspetos que considero apropriados para outros artigos, como o do corpo desde o nascimento à velhice, de como essas transformações nos são benéficas, não obstante a dor e o sofrimento. Vou sim e apenas sublinhar a importância e o valor de sermos como somos.

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A Igreja não engana ninguém. “És pó, e ao pó voltarás”, reza a Bíblia que também nos diz que fomos criados para uma vida em abundância, que a morte não vence. E apresenta a razão dessa vitória: Cristo — Caminho, Verdade e Vida — ressuscitou, abrindo-nos assim a porta da vida eterna, a começar “agora”!

E para que não fiquem dúvidas, a Igreja mostra-nos Aquela que, sendo como nós criatura (e Mãe do Criador – a Beleza do Catolicismo está neste paradoxos que teremos uma eternidade para contemplar…), subiu ao Céu em Corpo e Alma. Isto é, apontando para aquela rapariguinha — Mãe de Deus, diz-nos com todas as letras o que acontecerá connosco — assim o queiramos, como Ela o quis ou consentiu…

É certo que ninguém me pode obrigar a uma coisa que eu não quero. Mas neste ponto parece-me que ninguém quer “acabar”, mas sim “continuar”. A canção do Jorge Palma “Enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar” confessa — mesmo quando se pretende ser indiferente — este desejo de que haja sempre estrada…

Desde sempre o corpo humano é celebrado. Lembro-me das esculturais obras clássicas que o representaram paradigmaticamente. A alma era mais difícil de representar mas não deixou de estar presente — ou porque escondida a animar a matéria ou em imagens a evocar voos, leveza, ar, vida.

Um ponto recorrente desta nossa luta pelo significado foi o de entender o corpo como um peso, uma prisão até. Ainda hoje, e apesar da multiplicação das teorias e práticas que o idolatram, o corpo é visto — pelos muitos ascetismos que querem oferecer um passaporte para tornear, ou furar, o sofrimento —  como algo a descartar.

Vivemos então  entre dois extremos. O corpo é tudo ou nada!. Ou agarrarmos a ele como se nada mais houvesse; ou então fugirmos dele, também o mais possível, tê-lo como obstáculo para o espírito — como se os meus sentidos fossem surdos, e eu fosse só alma. Nega-se a humanidade,  vive-se como os “anjos” (revi há dias o filme  As Asas do desejo, do grande Wim Wenders…).

Curioso a Assunção ser um dogma proclamado apenas em 1950. Porquê esperar tanto tempo? Não havia mais nenhum dogma para se “inventar”, e era preciso mostrar trabalho?

Claro que não se trata disso. O conteúdo do dogma (e “dogma” significa tão só, e antes de mais, “verdade”) — era há muito confessado pela maioria dos católicos em todo o mundo (um dos dois requisitos para ser Dogma — o outro é ter suporte bíblico —, segundo a Constituição Apostólica Munificentissimus , do Papa Pio XII, que proclamou o dogma da Assunção).

E São João Paulo II, lembra ainda a oportunidade da declaração do dogma há 70 anos, uma época marcada, como referi, pelo tudo ou nada. Olhando para a Senhora da Assunção  “o cristão aprende a descobrir o valor do próprio corpo e a preservá-lo como templo de Deus, na expectativa da ressurreição” (Audiência geral de 9 de julho de 1997).

“Olhar” este que não se faz de um pé para a mão. Falo por mim, que tenho sido também acompanhada nestes dias por duas grandes mulheres.  Flannery  O’ Connor,  com os livros The Habit of  Being, e Wise Blood  (enriquecido pelo filme homónimo de John Houston), a sublinhar que ressuscitaremos com todo o nosso carácter e belas contradições; e a Simone Weil — um pouco por todo o lado, mas em particular no — A Mística do Instante — que me lembrou que  a razão das minhas falhas não está na falta de vontade, mas na falta de atenção. Isto sim é que é viver agora e sempre: Páre, Escute e Olhe!