Mais uma vez a Igreja se revela como Mãe e Mestra, ao vir ao encontro dos mais profundos anseios dos homens, através de uma iniciativa inovadora e de alto impacto, a começar em meados de Março. O Cardeal português D. José Tolentino Mendonça é o homem que “arbitra” a iniciativa que vai trazer histórias de grandes atletas para o grande público. Fá-lo num tempo litúrgico especial, a Quaresma, que desde os primórdios do cristianismo é um tempo de ascese, na linha da escolha de S. Bento, um tempo para o treino de nos focarmos no essencial, na base de três tradicionais pilares: jejum, oração e esmola. Um recuar para avançar, e não um inútil exercício numa torre de marfim. Cada homem pode ser um “mosteiro” neste mundo em que todos vivemos numa correria. Quem quer resvalar para o oco dos stresses das nossas vidas?

Bem sei que “Quaresma” é, para muitos, um termo sem qualquer significado, a não ser este, que encontrei numa pesquisa no google, sobre esse tempo de preparação para a Páscoa: “Quaresma – português que joga como extremo. Atualmente está sem clube.

Que “bem e depressa não há quem” vai ser certamente o que iremos ouvir no primeiro encontro que junta o cardeal madeirense e o campeão olímpico de atletismo Filippo Tortu, medalha de ouro nos 4×100 metros livres, nos últimos Jogos Olímpicos, em Tóquio. Conhecemos o treino a que se sujeitam todos os que se lançam na aventura de uma modalidade desportiva, sabemos a disciplina que implica e os sacrifícios exigidos, bem como também sabemos que, por experiência própria, “quem corre por gosto não cansa”.

Já há cerca de um ano que o então Bibliotecário do Vaticano, agora Prefeito do Dicastério para a Cultura, nos presenteou com uma conversa com o treinador português José Mourinho, sobre desporto e transcendência. Esta última é a palavra certa para dizer o que é o desporto, porque tem a ver com superação, é a saída de nós mesmos, num movimento intencional de trabalho, de projeção, de confiança, mas ao mesmo tempo é uma abertura ao mistério, à plenitude, ao divino (cfr. Osservatore Romano).

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Que a vida dos atletas não é pera doce já o sabemos e disso podemos tirar consequências existenciais. Daí ser grande esta oportunidade de diálogo com estes homens, crentes e não crentes, que nos mostram a necessidade de saber acertar o passo. “Desporto e transcendência” com o homem que agora treina o Roma, ou “O desporto torna-te mais nobre!”, com o ciclo a iniciar com Filippo Tortu – uma série de diálogos inspirado pela “visão inclusiva e solidária” do Papa Francisco, como anunciou há dias o Vaticano – são momentos que inspiram as nossas vidas.

Ao lado de outros grandes homens, os testemunhos destes magnos atletas são a prova de que somos todos feitos do mesmo barro, e de que, havendo condições e vontade, todos temos o céu como horizonte. O que iremos aprender com a seleção agora convocada por D. Tolentino para a Radio Vaticano tem seguramente uma forte ligação com a experiência da Igreja, onde encontramos atletas de alta competição. Neste caso o “alta” vem-lhes do Treinador e, por outro lado, do intensivo de fundo a que são chamados. Diz o selecionador: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e siga-me.” (Lc 9).

O que significa então essa “negação de si mesmo” que identifica o homem de Igreja? Para isso eu vou olhar para os belos exemplares. Não que os que o não são não pertençam ao “clube”, mas neste, como em todos os casos, convém ver qual o ponto de potencialidade ou o estado da arte. Se me pedem para mostrar o que é um futebolista eu vou buscar o CR7, e não o meu sobrinho, que joga no Clube da nossa terra.

E limito-me a dois parágrafos. A História da Igreja dá-nos tanta vida que uma vida não bastaria para tudo conhecer. E também há tanto que aprender nas 24h de cada dia, que até por vezes parece que o dia tem mais do que as horas que tem. No curso da História posso, se me debruçar seriamente sobre ela, cruzar-me, conhecer desportistas de alto nível, aqueles que, com os olhos na meta, vivem com um propósito de eternidade sem baixar os braços diante de obstáculos.

S. Paulo, em duas pinceladas, diz-nos quem são esses homens e mulheres, ficando bem claro que o nível da competição não se mede pela força de vontade mas pela fidelidade ao Senhor da corrida: esquecendo das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo (Carta aos Filipenses 3:13-14). Livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta (Carta aos Hebreus 12:1-2). O que se exige do atleta é permanecer sob o olhar da “meta”. Não a agitação e ativismo que limitam as nossas vidas, nas correrias que terminam com o pôr-do-sol e se pautam por indicadores efémeros.

Eu tenho consciência – um instante basta – que os meus anseios mais profundos, os mesmos das Antígonas minhas irmãs, não se querem vergar às urgências que nos esmagam no absurdo. Os stresses que nos afundam não sabem dar conta das razões pelas quais decidimos, em cada instante, continuar a dizer que sim à vida.

O tripé da Quaresma treina-nos para o justo tónus na relação com Deus (oração musculada, que não apenas palavras mortas), na relação comigo (jejum musculado, que não apenas dietices), e na relação com os outros (esmola musculada, que não apenas material). A luta continua para uma meta ou felicidade aqui e agora, fazendo de nós mosteiros nómadas, inclusivos e solidários que correm a gosto. Uma espécie de luzes da ribalta numa idade de trevas ou de inteligências superficiais.