Dizem-nos algumas “notícias” que Cristiano Ronaldo vai ser pai de mais duas crianças, um rapaz e uma rapariga. Antes de qualquer outra coisa, muitos parabéns a Ronaldo pela paternidade e desejo-lhe a maior das felicidades com esta família alargada. Dizem as mesmas notícias que Ronaldo terá recorrido a uma “barriga de aluguer”. Não me interessa muito se as “notícias” sobre a barriga de aluguer são verdadeiras ou falsas, mas interessam-me bastante as muitas reacções críticas que pudemos ler. Ronaldo é acusado de “encomendar filhos como quem faz compras na Amazon” e, principalmente, é vilipendiado por “negar uma mãe às crianças”. E de que tal é de um egoísmo extremo.
Há relativamente pouco tempo, legislou-se em Portugal sobre o acesso de mulheres solteiras à procriação medicamente assistida e também à maternidade de substituição, vulgo barriga de aluguer (sendo que a legislação portuguesa impõe que o aluguer seja feito a preço zero). Um dos argumentos que se ouviram, penso que por parte de Isabel Moreira num Prós e Contras — mas houve mais gente a repeti-lo nas redes sociais — foi o de que é necessário respeitar a autonomia das mulheres e que não se podia exigir que andassem com um homem a tiracolo para poderem ter um filho.
Toda esta discussão em Portugal foi bastante sexista, porque nunca teve em consideração os direitos dos homens. Se uma mulher pode recorrer a um dador anónimo de esperma para ter um filho, porque não há-de um homem poder recorrer a um óvulo para ter também um filho? Ficou definido na lei que uma mulher sem útero, ou que por qualquer motivo não possa levar a cabo uma gravidez até ao fim, pode ter acesso a uma barriga de aluguer (a preço zero, repito, que não gostamos cá de mercenárias). Bem, eu diria que um homem cumpre esses requisitos. Tanto quanto julgo saber, não têm útero e, exceptuando a personagem de Arnold Schwarzenegger num filme e do canadiano Thomas Beatie, não conseguem levar uma gravidez até ao fim.
Claro que se pode sempre argumentar que, como a lei actual facilita imenso a mudança de género, um homem pode facilmente mudar o seu registo civil, passando a ser mulher. Uma vez mulher, poderá então alegar a falta do útero para recorrer à maternidade de substituição e, uma vez mãe da linda criança que nasceu, deverá poder mudar o registo civil novamente, regressando ao estatuto masculino, conseguindo cumprir o sonho da sua vida de ser pai.
Mas para quê sujeitar os homens a este caminho tão tortuoso? Ou, falando mais a sério, por que motivo se legisla no sentido de as mulheres deixarem de necessitar de um homem a tiracolo para serem mães, mas nem se discute a possibilidade de os homens poderem recorrer aos mesmos instrumentos jurídicos e médicos? A razão, parece-me, é bastante simples. É que, como toda a gente sabe, uma mulher só se sente realizada se for mãe. Já o homem está-se nas tintas para isso, quer é sexo. Ser-se pai é uma consequência e não um objectivo. Ainda por cima, como as mulheres é que cuidam bem dos filhos, negar uma mãe a uma criança é um crime; já negar um pai não é problema, até pode ser bom.
O que Ronaldo nos mostra é que há homens que também querem ter filhos. E se, por qualquer motivo, não podem ou não querem engravidar uma mulher (seja por questões médicas, seja porque a namorada não quer engravidar, seja pelo que for), continuam a querer ter filhos. Também Ricky Martin recorreu à maternidade de substituição para poder ser pai. E também se gerou uma polémica semelhante. Mas, quando é uma mulher a fazer isto, não há grandes polémicas.
Tanto quanto é público, o filho (mais velho) do Ronaldo é um puto feliz, que tem uma óptima relação de amor e carinho com o pai. Não há nada que nos leve a suspeitar que aquela relação familiar não é perfeitamente saudável. E, como todos sabemos, o que não falta por aí são famílias monoparentais. Basta lembrar que nada impede um solteiro de adoptar uma criança e, portanto, ser pai sem uma mulher a tiracolo. Assim, deixemos os nossos julgamentos morais de lado e aceitemos que o desejo de paternidade de Ronaldo deve ser tão respeitado como o desejo de maternidade de uma qualquer mulher. E não há nenhum motivo válido para ele não poder recorrer às mesmas técnicas de procriação assistida (mais concretamente recorrer a uma barriga de aluguer) que uma qualquer mulher.
Em qualquer conversa com feministas, é-se constantemente recordado de que o feminismo não é o antónimo de machismo. Pelo contrário, o que o feminismo almeja é chegar a uma situação de igualdade. Assim, em coerência, tendo havido algumas feministas que se bateram pelo direito das solteiras e dos casais de lésbicas recorrerem à maternidade de substituição, em nome da igualdade, as feministas devem agora lutar para que os homens tenham precisamente os mesmos direitos.
Post Scriptum
Na semana passada, contestei a escolha de Lisboa como candidata preferencial à sede da Agência Europeia do Medicamento. Eu e muitos outros, naturalmente. Depois disso, o ministro Augusto Santos Silva explicou-nos que a escolha de Lisboa tinha por base razões objectivas. E, mais recentemente, conhecemos as justificações de António Costa. As razões objectivas são duas. Lisboa é uma candidata melhor porque já lá tem o Infarmed (que é o regulador nacional congénere) e porque já tem duas agências europeias, o que permitirá abrir uma Escola Europeia (para os filhos dos funcionários das agências). Poderia responder a estes argumentos, mas Carlos Guimarães Pinto já o fez melhor do que eu faria, pelo que faço minhas as suas palavras:
“A questão do Infarmed já ser em Lisboa é daqueles argumentos que alimentam o ciclo vicioso do centralismo. Quantos mais organismos na mesma cidade, mais se justifica a centralização acrescida. Mas será que ter o regulador nacional na mesma cidade é um requisito assim tão importante? Olhemos o que acontece nas outras cidades candidatas:
– Espanha candidata Barcelona. Regulador nacional do medicamento é em Madrid.
– Itália candidata Milão. Regulador nacional do medicamento é em Roma.
– Holanda candidata Amsterdão. Regulador nacional do medicamento é em Utrecht
– Suécia candidata Estocolmo. Regulador nacional do medicamento é em Uppsala
(…)
O segundo argumento de Costa é que só Lisboa poderá vir a ter uma Escola Europeia (ou seja, uma escola gerida conjuntamente pela UE e governo nacional). Este ainda é mais risível que o anterior. Em primeiro lugar porque a instalação de uma Escola Europeia em Portugal nem sequer é certa pelo que não poderá ser uma vantagem na candidatura. Em segundo lugar, fica por explicar porque é que “só Lisboa poderá vir a ter uma Escola Europeia”. Em Itália, a escola Europeia é em Varese, a uns 600km da capital. Na Holanda é em Bergen. Em Espanha é em Alicante e no Reino Unido em Culham. Para além disso, das cidades candidatas à Agência Europeia do Medicamento, apenas Bruxelas tem uma escola Europeia. A esmagadora maioria das agências europeias não está em cidades com escolas europeias. Os filhos dos funcionários vão simplesmente para escolas internacionais.
E se mais dúvidas existissem sobre as vantagens de Lisboa é ver o relatório desenvolvido pela KPMG há 3 meses, analisando 16 cidades europeias tidas como candidatas à agência. Nessa análise, Lisboa ficava em 15.º lugar.”