1. Há dias almoçando com um amigo que há muito não via, apercebi-me com surpresa de uma preocupação de que não o julgava capaz (sabendo-o alguém ocupado a tratar de coisas sérias) e que era a “direita do Observador”: podia eu explicar melhor? Espantei-me que ele não se espantasse mais com o deplorável estado de saúde das direitas em Portugal, mas não ia infantilizá-lo lembrando que nenhum país normalmente constituído onde vigore um regime democrático sobrevive só com metade da democracia a funcionar. Não havia assim muito para explicar. À noite – nunca há coincidências – encontro outro um amigo muito próximo que quase se enfurece com a “radicalidade” do Observador. Resolvi levar aquilo a sério e espremi o tema: fiz perguntas, pedi esclarecimentos, revi a matéria, sugeri exemplos muito, muito, concretos: saiu pouco sumo. Era escassa a uva. Mas farta a parra, sob a forma de indignações postiças, exageros intencionais, alguma dosesinha de má fé. Clichés.

Mas isso foi o menos. O mais foi ter percebido, e logo ao almoço e ao jantar do mesmo dia, que gente adulta e séria ainda admite com estranheza — ou deveria dizer com um tédio bem pensante? — que as direitas tenham voz e se exprimam no espaço público e não apenas no reduto partidário, onde são de “centro”. E que ao fim de quase quarenta anos, os mesmos olhem com despropositada “preocupação” um meio comunicacional que representa como pode quem, justamente — muito pouco e muito intermitentemente –. se sentiu representado, durante anos e anos, na comunicação social. Ou seja, falo do óbvio. Tão prosaicamente banal é o que digo que seria até levada a evocar La Palisse se os meus interlocutores — o do almoço e o do jantar — tivessem humor mas depois lembrei-me que talvez não pudessem tê-lo: então e o ar do tempo? O ar do tempo nunca os convidaria para a maçada de terem de destoar daquilo que as tais quatro décadas semearam no país: uma espécie de transfiguração das direitas, etiquetadas, desde o alvor da democracia, como “centro” ou quando muito “centro-direita”; e tudo o que levanta a cabeça para fora deste consentido perímetro é expeditamente radical, fascista, suspeito, extremista (e quem sabe, na melhor das hipóteses, serão mesmo estagiários dos Steve Banon deste mundo e, na pior, pagos por ele). Os meus amigos têm boas maneiras — não os ouvi chamarem-me fascista — mas também têm pena: para eles é como se subitamente me tivesse aventurado por duvidosos caminhos, optando por uma inesperada mas fatal má vida (que até ao momento nenhum soube porém definir ou concretizar).

2. Sucede que a constatação que acima sugiro, mesmo que tingida por uma amiga ironia face aos comensais de um mesmo dia, interessa bem menos que as observações que me suscitam as esquerdas à esquerda do PS. Como o (incessantemente) prometido irromper da “extrema direita” em Portugal não tem irrompido, o Observador vai-lhes miseravelmente servindo (?) de pretexto. Coisa pouca ética já se vê e, sobretudo, um tremendo mas muito conveniente abuso de interpretação.

Este artigo é exclusivo para os nossos assinantes: assine agora e beneficie de leitura ilimitada e outras vantagens. Caso já seja assinante inicie aqui a sua sessão. Se pensa que esta mensagem está em erro, contacte o nosso apoio a cliente.