Em Portugal, cerca de quatro em cada dez adultos sofrem de doenças crónicas, sendo o terceiro país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) com maior percentagem de pessoas que vivem com mais do que uma doença crónica. Entre as principais causas, estão as doenças cérebro-cardiovasculares (DCCV). Sabe-se que 68% da população portuguesa tem dois ou mais fatores de risco, e 22% tem quatro ou mais. Entre estas pessoas com risco muito elevado, uma em cada três já sofreu um evento cérebro-cardiovascular.
Os portugueses estão a viver mais tempo, mas com menos qualidade de vida. A boa notícia é que as doenças cérebro-cardiovasculares constituem um problema de saúde, em geral, prevenível, tratável e controlável. Prevenir e controlar traduz-se em mais e melhor tempo de vida e, também, na utilização eficiente dos recursos em saúde.
Vários estudos têm demonstrado que o envolvimento dos farmacêuticos – pela sua proximidade e acessibilidade à população e pelos seus conhecimentos técnicos e científicos – é fundamental para a prevenção e controlo dos fatores de risco e para a redução da carga das doenças cérebro-cardiovasculares através da implementação de programas de rastreio e a deteção atempada de fatores de risco, do aconselhamento e educação para a saúde, bem como através da gestão da terapêutica e promoção da adesão.
Ao nível da prevenção, a promoção de estilos de vida saudável é fundamental, e inclui o controlo do peso, uma alimentação saudável, a moderação na ingestão de álcool, a cessação tabágica e a prática de atividade física. Muitas farmácias disponibilizam aos seus utentes serviços como a nutrição clínica e a cessação tabágica. O tabagismo, em particular, contribui marcadamente para a mortalidade cardiovascular – o risco cardiovascular em fumadores com idade abaixo dos 50 anos é cinco vezes superior ao dos não fumadores.
A deteção de fatores de risco na farmácia comunitária mostra também benefício na identificação e encaminhamento de pessoas para as quais a presença desse fator de risco era desconhecida. Por exemplo, a avaliação da pressão arterial pode ser realizada aproveitando deslocações ocasionais da pessoa à farmácia. Além disso, o farmacêutico pode proporcionar aconselhamento acerca dessa medição no domicílio.
Ao identificar pessoas com pressão arterial elevada, os farmacêuticos comunitários podem recomendar abordagens não farmacológicas – como a adoção de hábitos de alimentação equilibrada, a redução da ingestão de sal e a prática de atividade física – e encaminhá-los ao médico para possível início de terapêutica farmacológica. O mesmo acontece para a avaliação da glicemia ou do perfil lipídico [análises aos vários tipos de colesterol].
Em relação a pessoas já diagnosticadas e sob terapêutica farmacológica, a toma correta dos medicamentos e a adesão à terapêutica surgem como pontos críticos para o seu controlo e prevenção de eventos agudos.
De acordo com os dados mais recentes, as doenças cardiovasculares continuam a ser uma das principais causas de morte em Portugal, tendo representado mais de 27% de todas as causas de morte em 2020. Estes dados estão em linha com os apresentados no último relatório da OCDE, que estima que mais de uma em cada quatro mortes nestes países, onde também se inclui Portugal, sejam devidas às doenças cardiovasculares.
Atualmente temos medicamentos seguros e eficazes para controlar as doenças cérebro-cardiovasculares e os seus fatores de risco, mas a toma da medicação de forma correta e sem falhas constitui um fator crucial na sua efetividade e segurança. A não adesão é uma grande preocupação para os sistemas de saúde em todo o mundo, pois, só na Europa causa anualmente quase 200 000 mortes prematuras, com custos a aumentar para 125 mil milhões de euros por ano em hospitalizações evitáveis, cuidados de emergência e consultas ambulatórias.
No caso da hipertensão arterial, o principal fator de risco para o AVC, quando controlada, reduz significativamente a taxa de incidência deste evento, que é a primeira causa de morte em Portugal. Neste tipo de doenças, há uma falta de perceção da pessoa para a necessidade da terapêutica, já que a maioria destas doenças não apresenta nenhum sintoma, leva muitas vezes ao abandono da mesma.
Os farmacêuticos estão idealmente posicionados para intervir nestas questões, promovendo a toma correta dos medicamentos e a adesão à terapêutica. Serviços como a consulta farmacêutica para revisão da medicação e a preparação individualizada da medicação apoiam a pessoa na toma correta e segura dos seus medicamentos, levando a resultados positivos no controlo das doenças.
Contudo, apesar da sua enorme acessibilidade e da evidência que sugere que as intervenções farmacêuticas estruturadas são efetivas na melhoria dos resultados terapêuticos em prevenção cardiovascular secundária e na deteção e controlo de fatores de risco específicos, como a diabetes mellitus, a hipertensão, a dislipidemia [níveis elevados de colesterol e triglicéridos] e a promoção da cessação tabágica, os farmacêuticos permanecem um elemento subutilizado nos cuidados de saúde primários. Modelos de atuação que potenciem a integração em equipas de saúde multidisciplinares trariam benefícios para as pessoas com DCCV e para toda a sociedade.
Ema Paulino é farmacêutica comunitária e presidente da Associação Nacional das Farmácias (ANF). É atualmente membro da Pharmaceutical Care Network Europe e membro do Board do International Primary Care Respiratory Group.
Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.
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